A Revista da Advocacia de Rondônia nasce com o propósito de se tornar a voz da advocacia, fonte de publicação da opinião sobre os mais relevantes e atuais temas jurídicos.
Seu primeiro macrotema não poderia ser outro, senão os efeitos da pandemia do coronavírus sobre as relações jurídicas, pois esse novo, histórico e terrível episódio está a causar resultados em relação aos quais a população em geral não estava preparada para lidar. A advocacia se vê diante de inúmeros e inesperados problemas, e inseri-los no contexto da legislação já preexistente nem sempre é fácil, pois nosso sistema jurídico também não contém previsão legal suficiente para lidar com a pandemia;
Diante desse cenário, a Revista procurou abordar os efeitos da pandemia nos diversos ramos do direito: constitucional, administrativo, consumidor, civil, processual civil, penal, processual penal, trabalhista, eleitoral, etc.
Esta Revista também convidou a advocacia de Rondônia a se manifestar sobre um dos mais atualizados e debatidos temas que advieram da pandemia: as audiências e sessões de julgamento por meio de videoconferência. Em chamada distribuída amplamente nas redes sociais, a Revista questionou o fato de que o modus operandi dessas audiências/sessões estava sendo decidido e imposto sem qualquer participação da advocacia. Recebemos manifestações por todos os meios (comentários, artigos, e-mails) e buscamos, através dessa coluna, apresentar um resumo dessas opiniões. Assim, a coluna busca retratar a voz dos advogados que participaram da consulta.
Inicialmente, é oportuno lembrar que, assim que a pandemia se alastrou e as autoridades públicas brasileiras impuseram o isolamento social visando conter o vírus, o Conselho Nacional de Justiça expediu a Resolução n. 313, de 19/3/2020, autorizando o Poder Judiciário de todo o país a suspender o trabalho presencial; suspendeu os prazos dos processos físicos e eletrônicos e criou um regime de plantão extraordinário para atendimento por meio remoto. Passo seguinte, o mesmo Conselho expediu a Portaria n. 61, de 31/3/2020, que instituiu a plataforma emergencial de videoconferência para realização de audiências e sessões de julgamento nos órgãos do Poder Judiciário, durante a pande- mia. Sucede que a referida Portaria, ao passo que disponibiliza ao Judiciário uma plataforma que permite a gravação das audiências e sessões de julgamento para serem utiliza- das no PJE (Processo Judicial Eletrônico), deixa o seu uso como facultativo, não excluindo outras ferramentas que impliquem o alcance do mesmo objetivo. Mais ainda, não houve qualquer regulamentação a respeito de quais os requisitos e formalidades para que essas audiências e sessões fossem assim realizadas, deixando à escolha de cada magistrado essa decisão. Sobreveio a Resolução CNJ n. 314, de 20/4/2020, que retomou o curso dos prazos em processos eletrônicos e a realização dos atos judiciais a serem realizados por meio de videoconferência.
Sem uma participação da advocacia, através de seus representantes legais (Ordem dos Advogados do Brasil), cada esfera do Poder Judiciário passou a utilizar-se dos modos e ferramentas que julgaram adequados a realizar esses atos judiciais, causando uma longa lista de problemas.
Alguns relatos vindos da advocacia precisam ser destacados:
a) Determinação de que o advogado se apresentasse juntamente com seu cliente em seu escritório, não aceitando que estes se apresentassem separadamente, cada um pelo seu próprio acesso virtual;
b) Determinação impondo aos advogados das partes (Reclamante/Reclamada) o ônus de apresentar suas respectivas testemunhas, em seus escritórios, para participar da audiência;
c) Acesso limitado a uma internet de qualidade pelas partes e testemunhas, muitas das quais são pessoas de baixa renda que a acessam mediante franquias com uso limitado de dados;
d) Dificuldade do defensor do réu de se comunicar reservadamente com o cliente durante a audiência, sem suspendê-la, por ser o meio eletrônico utilizado para a audiência o mesmo que se poderia utilizar para fazer essa comunicação reservada;
e) Ausência de garantia da incomunicabilidade das testemunhas durante a audiência;
f) Ausência de garantia da verificação da identidade da parte ou da testemunha que está se apresentando pelo meio virtual;
g) Limitação ao número de pessoas que podem participar das plataformas de acesso à videoconferência, prejudicando a publicidade dos atos processuais.
Todas essas narrativas pareciam tender a encaminhar o resultado da pesquisa para uma conclusão totalmente contrária à realização das audiências e sessões de julgamento por esse meio. Mas não. É evidente que a Justiça não pode ficar paralisada, de joelhos postos diante do vírus e com a cabeça abaixada. E mesmo com toda a dificuldade apresentada, a advocacia deseja que, de alguma forma, a marcha regular dos processos não fique no aguardo, à mercê da pandemia.
A opinião mais forte e presente em praticamente a totalidade das manifestações (81,3%) foi a de que os advogados deveriam ter garantida a prerrogativa de manifestar oposição à realização da audiência/sessão por meio de videoconferência. Isso lhes possibilitaria avaliar a existência de prejuízo ou não na realização da audiência/sessão, caso a caso, em face das dificuldades e os prejuízos acima enumerados. Não só em Rondônia, mas em todo o país o clamor por essa garantia culminou com um pedido do Conselho Federal da OAB, protocolado em 21 de maio de 2020, perante o Conselho Nacional de Justiça, no qual requereu que as audiências de instrução ocorressem por esse meio apenas quando houvesse a concordância das partes e interessados 1.
A OAB Seccional Bahia obteve importante vitória nesse sentido, e já garantiu perante o CNJ a possibilidade de que o advogado informe, unilateralmente, a impossibilidade de realização da audiência por meio virtual, no PCA n. 0003753-91.2.00.0000. A decisão proferida suspende, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho, a realização de audiências por videoconferência quando houver manifestação em contrário de qualquer das partes e independentemente de juízo de valor quanto à fundamentação apresentada; impede a aplicação de qualquer penalidade processual pelo não-comparecimento ao ato virtual e impede que sejam imputadas às partes a responsabilidade pela apresentação das testemunhas.
Na mesma linha, já vem ganhando força o entendimento de que as sessões de julga- mento com a sustentação oral por meio de videoconferência também não poderão ser realizadas se uma das partes se manifestar contrariamente a esse meio. A título de exemplo, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já retirou um processo de pauta sob o fundamento de que “Se qualquer das partes se opõe ao julgamento por videoconferência, cabe ao colegiado do Superior Tribunal de Justiça automaticamente remeter o caso para julgamento em sessão presencial, quando elas voltarem a ocorrer.” (REsp 1.615.771). 2
Como se vê, esse é um tema polêmico que ainda está longe de ter um posicionamento sedimentado. E é certo que todos os demais temas abordados nesta Revista trazem uma visão nova do direito, o que a torna historicamente um marco para o nosso Estado, com inéditas opiniões e sugestões que procuram solucionar novos problemas.
Esperamos que a pandemia logo passe, que esses temas se tornem cada vez menos presentes e que, ao passar dos anos, se tornem apenas fonte de pesquisa histórica.
Zênia Cernov
Advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros Greve de Servidores Públicos (LTr, 2011), Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados (LTr, 2016) e Honorários Advocatícios (LTr, 2019). Membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes.
Notas
1 Disponível em: www.migalhas.com.br/quentes/327508/oab-pede-ao-cnj-que-audiencias-de-instrucao-online-sejam-facultativas
2 Disponível em: www.conjur.com.br/2020-mai-19/parte-opoe-videoconferencia-julgamento-presencial