Do direito à informação e a pandemia

1 Introdução

No filme O nome da rosa, baseado em obra homônima do escritor italiano Umberto Eco, o conhecimento, a cultura e, especialmente a informação, são retratados como um bem de grande valor, que deve ser oculto e destinado à fruição de alguns poucos predestinados. Uma visão obsoleta diante do conceito atual da palavra informação. Segundo o Dicionário Eletrônico Aurélio, em definição simplificada, o termo tem etimologia originada no latim informatio onis e define-se como: “O que se torna público através dos meios de comunicação ou por meio de publicidade”.

Pretendemos abordar a natureza pública da informação, ou seja, a informação como mensagem, cujo destinatário é a população em geral, que tem interesse e direito na sua obtenção. Na sequência, os principais entraves para uma informação pública de qualidade, especialmente sob os efeitos da pandemia e o papel do advogado para a efetivação destes direitos.

2 A informação como direito e sua natureza pública

A informação é vista como um direito na atualidade e como tal, está presente em várias legislações, incluída até no rol de direitos básicos do consumidor, no artigo sexto, inciso III do CDC:

(…) Omissis
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (com redação dada pela Lei n. 12.741, de 8 de dezembro de 2012).

A ausência de uma informação adequada, precisa e verdadeira é considerada um “defeito” nas relações de consumo, sendo item tão importante que o Código de Defesa do Consumidor chega a indicar, em seu artigo 30, que a informação “integra o contrato que vier a ser celebrado”.

E no art. 31 do mesmo Códex, vê-se que “a informação (…) deve ser correta, clara, precisa, ostensiva”, sendo vedada a sua veiculação na forma enganosa (quando induz a erro) ou abusiva (quando explora sentimentos como violência, medo e superstição) (artigo 37, CDC) Nesta área do Direito, a inadequação do que é informado resulta em várias sanções e responsabilidades, inclusive criminais. Tudo isso porque a informação “é a arma mais eficiente e poderosa do fornecedor (…) no intuito único de induzi-lo (o consumidor) ao consumo.”

É a informação de qualidade o ponto de partida para a tomada de decisões, para o estabelecimento de estratégias, para a definição de condutas, para a efetivação de outros direitos. Sob esta ótica então e partindo do pressuposto que vivemos em uma democracia e que todos os cidadãos são iguais perante a lei, todos deveríamos, salvo raríssimas exceções muito bem fundamentadas e previstas em lei, ser beneficiários e/ou fornecedores de uma informação que atendesse a todos estes requisitos.

A informação pública também é um dever, especialmente do Estado, a quem outorgamos a administração de nossas vidas. A informação é vista como um direito na atualidade e como tal, está presente em várias legislações, incluída até no rol de direitos básicos do consumidor…

E este direito/dever deveria ser praticado e facilitado de tal forma que solicitar formalmente uma informação deveria ser exceção. Evidente que esta é uma perspectiva democrática, incabível nas sociedades em que a liberdade é restrita, reafirmando justamente o valor da informação como um instrumento eficiente de transformação social.

3 Alguns dos instrumentos jurídicos do direito à informação no Brasil

Interessante que o movimento legal pelo reconhecimento e efetividade do direito à informação somente se instrumentaliza em nosso país com a Constituição Federal de 1988, porém com algumas restrições de acesso. Artigo 5º da Constituição Federal: (…)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (…)
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Em 8 de janeiro de 1991, foi promulgada a Lei de Arquivos (Lei n. 8.159), que estabelecia a política nacional dos arquivos públicos e privados, prevendo prazo máximo de sigilo de trinta anos para os documentos referentes à segurança da sociedade e do Estado, podendo ser prorrogado por igual período caso delimitado pelo governo.

Em janeiro de 1997, temos o Decreto n. 2.134, que classificou as informações consideradas sigilosas em ultrassecretas, secretas, confidenciais e reservadas. Com o Decreto n. 4.553, de 27 de dezembro de 2002, o prazo máximo de sigilo foi limitado a 50 anos para os documentos referentes à segurança da sociedade e do Estado, podendo os documentos sigilosos ultrassecretos disporem de prazo eterno. As autoridades competentes para a classificação dos documentos também foram ampliadas por este Decreto que acabou revogado. Em dezembro de 2004, o Decreto n. 5.301 alterou algumas destas disposições com o objetivo de reduzir a necessidade do sigilo de determinados documentos.

Em maio de 2005, foi promulgada a Lei n. 11.111, com as mesmas diretrizes do citado decreto, acrescentando a possibilidade de sigilo eterno de documentos desde que analisado pela Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas. Esta lei permaneceu em vigor até a promulgação da Lei de Acesso à Informação, conhecida pela sigla LAI, promulgada em 18 de novembro de 2011, atualmente muito utilizada por jornalistas. A regulamentação do Governo Federal à LAI foi feita pelo Decreto n. 7.724/2012.

Os principais aspectos da Lei são:

1) O livre acesso à informação é regra, com o sigilo sendo exceção;

2) O requerente não precisa explicar sua motivação ou como usará os dados que pediu;

3) O sigilo está legalmente estabelecido e é limitado, sendo o livre acesso à informação a prioridade;

4) A informação deve ser entregue de forma gratuita, a não ser que haja um custo de reprodução;

5) As entidades públicas têm o dever de divulgar proativamente informações de interesse da população;

6) Devem ser respeitados os procedimentos e prazos de entrega das informações. A legislação a respeito do assunto, em nosso país, segue também o reconhecimento e consagração do tema em diversas legislações internacionais tais como o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o artigo 13 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, o artigo 9 da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos e o artigo 10 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos.

4 Entraves para garantir o livre acesso a uma informação de qualidade

Parece cada vez mais difícil normatizar algo que se transforma numa velocidade vertiginosa e conta com meios de divulgação cada vez mais tecnológicos e incorpóreos. As redes sociais são um grande exemplo desta dificuldade. A instantaneidade da informação que recebemos aliada a origens inverificáveis culminam por criar um paradoxo: a informação é um bem valioso, um direito importante que traz imensos benefícios, mas também irreparáveis danos. Temos um exemplo bem atual: as denominadas fake news.

“Fake News são notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se fossem informações reais. Esse tipo de texto, em sua maior parte, é feito e divulgado com o objetivo de legitimar um ponto de vista ou prejudicar uma pessoa ou grupo (geralmente figuras públicas). CAMPOS, Lorraine Vilela. “O que são fake news?”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/o-que-sao-fake-news.htm. Acesso em: 18 maio 2020.

Segundo o artigo, o termo fake news ganhou força mundialmente em 2016, com a corrida presidencial dos Estados Unidos, época em que conteúdos falsos sobre a candidata Hillary Clinton foram compartilhados de forma intensa pelos eleitores de Donald Trump, vencedor naquelas eleições de forma surpreendente e contrariando pesquisas tradicionais. Assim, as normas disponíveis sobre a informação e todas as suas nuances não acompanham nem a velocidade e nem a desenvoltura das tecnologias que a veiculam, resultando num estado de coisas muitas vezes mais pernicioso do que benéfico.

Num período de calamidade pública, como a pandemia que atravessamos, estes entraves são potencializados. Muitas polêmicas atuais no mundo inteiro envolvem o direito à informação e sua fruição adequada, a exemplo da alegada ausência de informação de qualidade, por parte da China ao resto do planeta sobre os riscos da pandemia. Fossem as informações fornecidas de outra maneira e em velocidade compatível com a gravidade do problema, quem sabe, milhares de mortes e bilhões em prejuízos poderiam ter sido poupados.

No Brasil, além dos problemas específicos da própria pandemia, ainda temos acesso duvidoso à informação de qualidade, fontes nem sempre fidedignas e de credibilidade duvidosa, defeitos que trazem reflexos na estabilidade política e até na segurança jurídica. …as normas disponíveis sobre a informação e todas as suas nuances não acompanham nem a velocidade e nem a desenvoltura das tecnologias que a veiculam, resultando num estado de coisas muitas vezes mais pernicioso do que benéfico.

Exemplos recentes não faltam: questionamentos acerca da divulgação integral da reunião ministerial com o Presidente Bolsonaro, acusado de interferir em órgãos do governo de forma indevida; sobre o acesso ao depoimento do ex-ministro Sergio Moro; sobre a eventual imprecisão dos dados estatísticos sobre a pandemia ou ainda sobre estudos científicos que justifiquem ou não o uso de medicações a serem adotadas como protocolo. A compatibilidade entre a informação e a tecnologia de ponta que a dissemina com tanta rapidez, foi assunto recente no parecer enviado ao STF pelo Procurador Geral da República Augusto Aras, no julgamento da ADPF 403 que questiona legalidade no bloqueio nacional dos serviços de WhatsApp por autoridades judiciárias.

Tal é a importância das ferramentas eletrônicas na divulgação de informações, que o PPS, partido responsável pela ação onde se discute o assunto, requer que a decisão de mérito do STF proíba futuras decisões judiciais que suspendam o funcionamento deste aplicativo. Lembrando o pleito, que a norma que regula as comunicações privadas na internet é a Lei n. 12.965/14, denominada Marco Civil da Internet. (grifo nosso)

No parecer consta que:

“Decisões judiciais que suspendem nacionalmente o aplicativo violam as liberdades comunicativas previstas na CF (art. 5º, IV e IX) transcendendo, manifestamente, do alvo da persecução penal. Não sobrevivem, portanto, ao filtro da proporcionalidade.” (grifo nosso) Segundo Augusto Aras, “o aplicativo é baixado por mais de 120 milhões de brasileiros”, número que evidencia a dimensão da problemática exposta (Disponível em: https://m.migalhas.com.br. Acesso em: 20 maio 2020).

Não bastasse toda esta complexa dinâmica acerca dos meios de comunicação, ainda nos resta refletir sobre o conteúdo do que é informado e a credibilidade de quem informa, além da imparcialidade destes conteúdos, bem como a identificação de interesses capazes de causar distorção na informação. As distorções referidas são denominadas de “assimetria da informação”. Trata-se de um “defeito” que atinge diretamente o público destinatário, sendo um dos mais danosos problemas da informação, especialmente em tempos de pandemia. Curiosamente, a assimetria de informação é um conceito originalmente econômico, sendo “o nome que se dá para quando uma das partes possui mais informações acerca de um produto ou serviço do que a outra parte.” (em artigo publicado no site https://www.sunoresearch.com.br/artigos/assimetria-de-informacao/, de autoria de Tiago Reis. Acesso em: 20 maio 2020).

É considerada uma falha de mercado capaz de causar grande desequilíbrio, caracterizada pelo mau uso da informação, muitas vezes privilegiada, quando o conteúdo é distorcido, mal interpretado ou descontextualizado. Tudo a ver com os problemas que enfrentamos relativos à qualidade da informação em tempo de pandemia.

Não é demais lembrar que a informação propicia um relativo controle social, não só entre os membros de uma coletividade, mas também sobre as ações de seus gestores, ações estas que determinam diretamente como será a vida de todos os cidadãos. Defendemos, por exemplo, que as restrições aos direitos individuais do cidadão brasileiro, bem como as medidas econômicas e gastos do governo com a pandemia deveriam ser antecedidas de informação de qualidade, bem como ampla divulgação de seus fundamentos científicos e econômicos, o que não tem ocorrido. As normas deveriam debruçar-se sobre o exemplo deixado pela pandemia, criando instrumentos que coibissem o uso ideológico da informação, a despeito de toda a dificuldade que isso implica. As práticas espúrias de divulgação de informação defeituosa, falsa ou capaz de gerar pânico, por exemplo, deveriam sujeitar-se à severas punições, a exemplo do que ocorre nas relações de consumo.

No Brasil, a legislação disponível sobre o tema informação atribuem competência e dever à Administração Pública de prestar uma informação de qualidade e o direito do cidadão em obter e utilizar esta informação. Verifica-se, contudo, uma grande apatia do cidadão em buscar a informação de qualidade, interessar-se pela sua obtenção, questionar e filtrar o que recebe, para formar opinião e praticar o senso crítico.

A pandemia, ao que parece, acentua esta conduta, pois, mesmo reconhecendo-se que a informação correta e de qualidade tem papel fundamental no futuro das pessoas e no sucesso das políticas adotadas, com reflexos diretos na saúde pública e na economia, o cidadão mantém-se indiferente e sem energia, aceitando passivamente como verdade grande parte do que é divulgado.

Por outro lado, o pleno exercício do direito à informação é decisivo para os rumos do país também para os gestores públicos, porque traz como consequência a compreensão da necessidade de uma ação coletiva para enfrentamento da pandemia e a colaboração da população com as estratégias adotadas. As consequências de uma omissão do Poder Público neste sentido podem ser extensas e os danos irreversíveis. Exemplo disso é a resistência da população em aderir ao isolamento social. Não basta ao governo impor uma medida. É necessário explicar detalhadamente a sua necessidade e fundamentar a decisão de forma a obter um apoio consciente e voluntário.

Destacamos como entrave para o acesso à informação de qualidade alguns fatores importantes: uma burocracia excessiva, já que certas informações só são divulgadas a pedido e com prazos para respostas mal definidos ou inexistentes.

Identificamos ausência de sanções e/ou responsabilização daqueles que são competentes para respostas, uma grande ineficácia dos instrumentos disponíveis para obtenção de tais informações e inoperância e/ou inexistência de órgãos competentes para esta finalidade. O tempo empreendido pelo cidadão para buscar uma informação e recebê-la é impraticável, além dos custos que podem ser altos e dissociados da realidade econômica da maioria dos cidadãos.

Vale lembrar que existem restrições genéricas quanto aos conteúdos (permitindo, por exemplo, uma negativa simples e sem razão) e a deficiência de canais institucionais regulares, aliada a um Judiciário moroso e com outras prioridades.

Existem outros entraves de igual importância tal como a credibilidade das fontes de informação ou seu uso ideológico, a serem abordados em outra oportunidade. No artigo “Garantia do direito à informação no Brasil: Contribuições da Lei de Acesso à Informação”, publicada na Revista Âmbito Jurídico em 1/10/2013, o autor Ciro Jônatas de Souza Oliveira, lembra, a respeito, que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal só admitem o habeas data “após o reclamante ter esgotado todos os meios administrativos para a obtenção da informação”, demonstrando como é possível dificultar o exercício deste direito. A ausência de informação de qualidade, entendida como aquela adequada e suficiente, objetiva, verdadeira e útil, gera um ambiente ideal para a falta de transparência no trato público, na ausência de prestação de contas pelos administradores, no surgimento e manutenção da corrupção e no desvio de recursos públicos.

Não poderia ser diferente, vez que todas as escolhas que fazemos na vida cotidiana são intimamente ligadas às informações que temos, sendo a sua qualidade imprescindível para a tomada de boas decisões e da qualidade de vida.

A informação é instrumento ímpar para o exercício de um controle social, que propicia “a participação da sociedade civil na elaboração, acompanhamento e verificação (ou monitoramento) das ações de gestão pública”, segundo Rudá Ricci (2009, p. 9).

É justamente esta ferramenta que possibilita ao cidadão as maiores condições de “definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicar prioridades, definir programas e ações, avaliar os objetivos, processos e resultados obtidos”. Importante salientar que o livre acesso à informação é diferente da liberdade de expressão, que também é um direito fundamental assegurado pela CF no mesmo artigo quinto, inciso IX.

O direito à liberdade de expressão garante a manifestação de pensamentos, opiniões e crenças do indivíduo sem se importar com a veracidade da informação transmitida, enquanto o livre acesso à informação trata de fatos noticiáveis, acontecimentos que influenciam diretamente na vida das pessoas e que devem contar com imparcialidade e legalidade. Assim, no contexto atual da crise em que vivemos, causado pela pandemia, caberia ao povo exigir com energia este direito, buscando “respostas de seus representantes sobre intenções e comportamento, de avaliar esse comportamento e impor sanções nos casos em que esse comportamento for considerado insatisfatório”.

Essa exigência só pode ser feita com o conhecimento adequado das características, objetivos e metas das políticas públicas executadas pelos governantes, segundo interessante artigo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância; artigo 19, 2009, p. 37. Para isso a digitalização, os requerimentos “on line”, o peticionamento eletrônico, são instrumentos indispensáveis, que facilitam a localização de documentos, a sistematização de informações e o fluxo de pedidos e respostas.

5 Conclusão: o papel indispensável do advogado na efetivação do direito à informação de qualidade

O momento atual é um verdadeiro catalisador no desenvolvimento do hábito de questionar e buscar respostas mais precisas. Talvez seja este um dos poucos benefícios futuros desta tragédia sanitária, projetada por muitos como fato social capaz de aprimorar a relação entre governos e cidadãos. A pandemia obrigou autoridades mundiais diversas à decisões urgentes que implicam em restrições que desagradam, relativizam e restringem direitos fundamentais já incorporados no cotidiano das diferentes nações, tais como direito de ir e vir, direito à privacidade, direito ao trabalho.

A informação, neste caso, é profundamente necessária para a aceitação ao sacrifício geral imposto aos povos, sacrifício este que vai do individual ao coletivo.

Porque precisamos do isolamento social? Qual a razão para restringirmos nosso direito de ir e vir? Quais os protocolos de saúde e medicação que devem ser adotados? Quais os fundamentos que justificam a impossibilidade de funcionamento da economia? São questões amplas e que devem ser respondidas de forma transparente.

Durante outras crises sanitárias já enfrentadas, tal qual a epidemia de varíola, a informação inadequada foi responsável pela rebeldia e falta de adesão do povo contra as medidas sanitárias adotadas pelos Governos. A saga continua, mesmo diante de tantos meios de informação simultânea que dispomos nos dias de hoje. A mesma falta de informação é responsável diretamente pela falta de adesão do povo às medidas necessárias. (e será que são mesmo necessárias?)

Veja-se que interessante relação:

Dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS) apontam crescimento de 300% de casos notificados de sarampo no mundo nos primeiros três meses deste ano (2019), em comparação ao mesmo período de 2018. Vítimas de sua própria eficiência, as vacinas são negligenciadas à medida que as doenças se tornam controladas. À enganosa sensação de segurança somam-se notícias falsas divulgadas por grupos antivacina, que proliferam informações sobre possíveis reações à imunização. (grifo nosso – Boletim Parlamentar da Fundação Oswaldo Cruz. Ano 3, n. 1.2019, citado no artigo de Cristiane d’Avila “Uma breve história das campanhas de imunização no Brasil: a vacina como direito e cultura”, disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-da-vacinacao-no-brasil/. Acesso em: 20 maio 2020).

E ainda: Grosso modo, as campanhas de vacinação são práticas discursivas da medicina e das ciências biomédicas para o controle de doenças e envolvem fatores complexos relativos ao direito à informação, às relações entre Estado e sociedade, à geopolítica, à ética, e também à vida e à morte” (grifo nosso, Porto, Ponte, 2003, citado no artigo de Cristiane d’Avila “Uma breve história das campanhas de imunização no Brasil: a vacina como direito e cultura. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-da-vacinacao-no-brasil/. Acesso em: 20 maio 2020).

É neste cenário, onde a informação de qualidade é um direito/dever, que o advogado tem papel ainda mais relevante. São estes profissionais, indispensáveis à administração da Justiça, acostumados e treinados para lidar com textos legais e trâmites processuais, que possuem a maior aptidão e intimidade para – ampliando ainda mais a sua forma de atuação e seu papel social – buscar a informação de qualidade e apontar os defeitos porventura existentes, especialmente no que tange à políticas públicas, colaborando com a sociedade.

Deve contribuir para que a informação seja obrigatoriamente fornecida, de forma transparente e incondicional, de maneira a permitir que o cidadão acolha (ou não) medidas tomadas, convencendo-se de sua necessidade, utilidade e legalidade. Deve propiciar que a informação de qualidade sirva a propósitos humanitários, contribuindo de forma direta para evitar desperdícios, falcatruas, malversação de verbas públicas. As informações prestadas por órgãos públicos durante a pandemia devem ser guiadas pela relevância, pela inteligibilidade, despidas de ideologias que desvirtuem o exercício deste direito. A informação deve “esclarecer adequadamente os seus destinatários”, tanto quanto possível.

Informações prestadas em linguagem técnica, ou de forma complexa ou desordenada, ou em ato isolado, fora de seu contexto podem ser incompreensíveis para os destinatários, frustrando o exercício do direito à informação e o exercício do controle social (Barcellos, 2008, p. 100).

Um dos princípios que deve nortear a informação adequada e de qualidade e o dever de bem informar é o da máxima divulgação, sendo certo que tudo deve ser posto às claras e estar à disposição de qualquer cidadão, restando apenas eventuais restrições, que devem ser ocasionais e muito limitadas, justificando-se muito bem a recusa. Para restringir uma informação, a autoridade deve comprovar a necessidade da limitação, atendendo a princípios já reconhecidos pelos ordenamentos internacionais, tais como obedecer a objetivos legítimos ao informar, evitar o potencial de causar graves danos e, especialmente, que “o prejuízo ao objetivo em questão deve ser maior do que o interesse público na liberação da informação específica” (Art. 19, 1999, p. 7).

Toda a informação essencial ao interesse público deve ser publicada e divulgada de forma “voluntária e proativa” pelos organismos públicos, reduzindo ao máximo a necessidade do cidadão de buscá-la por meios difíceis, caros e burocráticos.

Isto deve valer para dados e também como o modo de operação de órgãos públicos, custos, objetivos, contas a prestar já consolidadas, informações técnicas e científicas verificadas por peritos no assunto, amplamente reconhecidos, empenhos realizados e suas razões.

Cabe ao advogado colaborar com a sociedade e estender a sua atuação, agregando às suas funções sociais uma valiosa contribuição ao efetivo direito a uma informação de qualidade. Evidente que a rapidez e imparcialidade, requisitos que se esperam deste tipo de informação, são essenciais para a correta utilização dos dados e muitas vezes inalcançáveis pelo Poder Público, especialmente quando assolado por uma crise sanitária imprevista e pelas dificuldades já expostas.

O advogado, no exercício de sua profissão e mais do que qualquer outro profissional, deve conferir sempre que possível a presença destes requisitos, zelando para que as informações falsas transmitidas sejam reduzidas ou eliminadas, com a verificação das fontes, a leitura contextualizada dos conteúdos e sua interpretação jurídica livre de ideologias sempre que possível, evitando ao máximo a repercussão de informações defeituosas.

Recentemente, em ação oferecida pelos advogados Vinicius Miguel, Manoel Rivaldo de Araujo, Raul Ribeiro da Fonseca Filho e Vinicius Canova, o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia determinou que o governo estadual retire qualquer restrição de acesso a dados e documentos públicos do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), ação esta motivada pela negativa do Estado em informar dados sobre gastos em meio à pandemia (grifo nosso, notícia veiculada no site Cidadania23.org.br, disponível em: https://www.rondoniadinamica.com/noticias/2020. Acesso em: 18 maio 2020).

Os efeitos de ações desta natureza só beneficiam a sociedade, demonstrando que cabe ao advogado, zelar pela obtenção destes objetivos e pela efetivação do direito à informação de qualidade, colocando-se como defensor da sociedade e dos ideais democráticos.

Este também deve ser o nosso mister.

Referências

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ARTIGO 19. O Direito do Público a Estar Informado: Princípios sobre a Legislação de Liberdade de informação. Artigo 19, Londres, junho de 1999. Disponível em: http://www.artigo19.org. Acesso em: 20 maio 2020.
BARCELLOS, Ana Paula de. Papéis do direito constitucional no fomento do controle social democrático: algumas propostas sobre o tema da informação. RDE: Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, v.3, n.12, p. 77-105, out./dez. 2008.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Poder Legislativo Constituinte. Disponível em: https://www.presidencia.gov.br/. Acesso em: 20 maio 2020.
Cidadania23.org.br. Disponível em: https://www.rondoniadinamica.com/noticias/2020. Acesso em: 18 maio 2020).
Decreto 7.724/2012 e Informativo da Controladoria Geral da União (CGU) Direito ao acesso à informação. Disponível em: https://m.migalhas.com.br. Acesso em: 20 maio 2020.
DICIONÁRIO ELETRÔNICO AURÉLIO. Acesso em: 20 maio 2020.
FOLHA DE SÃO PAULO. Pouca transparência. Folha de S. Paulo, São Paulo. 2 jan. 2013. Disponível em: http://www.1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/86653-pouca-transparencia.shtml. Acesso em: 20 maio 2020.
História da Vacinação no Brasil, disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-da-vacinacao-no-brasil/. Acesso em: 20 maio 2020).
MACHADO, Costa (Org.) Código de Defesa do Consumidor Interpretado.São Paulo: Ed. Manole, 2012. p. 21
NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA; ARTIGO 19. Acesso à informação e controle social das políticas públicas.
Coordenação: Guilherme Canela e Solano Nascimento. Brasília, DF: 2009. p. 17-27, citado em RICCI, Rudá.
Controle social: um conceito e muitas confusões. Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n. 98, p. 9-12, jul. 2009.
REIS, Tiago. Assimetria da Informação, artigo disponível em: https://www.sunoresearch.com.br/artigos/assimetria-de-informacao/. Acesso em: 20 maio 2020).

Marcia Antonetti

Formada em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Advogada há 23 anos. Professora universitária aposentada. É mestre em Relações Internacionais pela UFRJ.