Da necessidade de adoção de regras rígidas de compliance em face das instituições financeiras e consequente institucionalização do marco regulatório no Sistema Financeiro Nacional

(…) tem ocorrido graves indícios de instabilidade na economia popular causada pelos grandes bancos desde a primeira década dos anos 2000, quando houve a euforia do crédito fácil com seu ápice em 2010, seguido pelo endividamento das famílias com seu ápice em 2015, e a atual dilapidação da saúde financeira e emocional dos correntistas e clientes (pessoas físicas e jurídicas) (Assumpção, 2019).

O presente artigo tem como base informações contidas em processos que tramitaram na Justiça Estadual, cujas decisões envolvem exclusivamente a condenação de instituições bancárias à luz do direito civil e financeiro, que trouxe como consequência a lavratura de escritura pública no Cartório de 2º Ofício de Notas e de Registro Civil de Porto Velho, Rondônia.

A Constituição Federal de 1988 impactou o ordenamento jurídico pátrio sob o prisma de uma carta cidadã, buscando resguardar direitos e garantias fundamentais contidos nos tratados internacionais do mundo moderno. Mesmo que a cultura social da Nação não tivesse alcançado tamanha evolução, houve um norte para a construção de uma sociedade civil e organizada com o ideal igualitário, sob a ênfase das edições das declarações universais de direitos humanos, em que o Estado passou a ser percursor de políticas públicas voltadas aos direitos fundamentais.

Um grande marco da sociedade civil brasileira após a Constituição de 1988 foi, sem dúvida, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078 de 11/09/1990) que buscou imprimir uma cultura cidadã e igualitária inibidora dos abusos cometidos pelos meios de produção, distribuição, comércio e serviços praticados por pessoas físicas e jurídicas, como forma de contrapeso em face dos resultados drásticos causados pelos planos econômicos, dos anos 1980 e início dos anos 1990.

O Código Civil de 2002 reforçou, a posteriori, o pacto federativo com a necessidade de construir a segurança jurídica das relações contemporâneas e garantir o controle dos pactos e contratos sociais entre as diversas instituições privadas e pessoas físicas, especialmente com a incorporação das normas de Direito Comercial. Todavia, não houve avanço ou evolução no sistema financeiro nacional, sendo que as resoluções do Banco Central e legislações especiais são antigas e inadequadas (datadas entre 1950 e 1965) em face do circuito de atividades financeiras e comerciais proporcionado com o desenvolvimento do Regime Democrático de Direito, além do intuito de liberdade profissional e financeira impingidos na Constituição de 1988, Código de Defesa do Consumidor (1990) e Código Civil (2002).

Com a edição da Lei Federal n. 10.931 de 11/8/2004 houve um retrocesso legislativo, com o consequente confronto à jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, na medida em que contrariou o espírito legislativo descrito na Carta Magna de 1988, bem como nos códigos de defesa do consumidor e civil. A citada norma (Lei n. 10.931/2004), no auge da revolução tecnológica e da internet, veio exclusivamente para beneficiar as instituições financeiras, com a finalidade velada de modificar a jurisprudência consolidada por meio de milhares de acórdãos de tribunais de justiça estaduais e do Superior Tribunal de Justiça quanto à “ausência de eficácia executória das cédulas de crédito bancário”, conforme se afere da edição da súmula n. 233 do STJ, bem como, por analogia, de casos paradigmáticos na construção jurisprudencial através das súmulas n. 258, 286, 297, 300 do STJ.

Nota-se que a partir da Súmula n. 300, o STJ teve que se ajustar à Lei n. 10.931/2004, norma esta que afetou profundamente as regras de direito civil e financeiro, tendo em seu bojo a seguinte ementa ou preâmbulo:

Dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei n. 911, de 1º de outubro de 1969, as Leis n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, n. 4.728, de 14 de julho de 1965, e n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências.

A partir da citada norma, o STJ editou as súmulas n. 322 e 479, todas em desfavor das instituições bancárias, como forma de resguardar o direito dos correntistas e clientes, para frear ou balancear a abusividade de direitos das instituições financeiras descritas na Lei n. 10.931/2004.

Com o advento da Lei Federal n. 10.931/2004, houve uma subversão ao direito do consumidor e jurisprudência consolidada, ao passo que houve flagrante abuso de direito praticado pelas instituições financeiras que passaram a emitir Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) de forma indiscriminada, que não promoviam a apuração de haveres entre o que foi pago e devido, levando o Poder Judiciário a não exigir a devida discussão, compensação e comprovação por extratos bancários (que foram dispensáveis), trazendo lesão grave à economia popular, como foi registrado na escritura pública lavrada no Cartório de 2º Ofício de Notas e de Registro Civil de Porto Velho, na qual constam informações de alguns processos com decisões de primeira e segunda instâncias, a maioria transitadas em julgado, envolvendo exclusivamente a condenação de instituições financeiras à luz do direito civil e financeiro. Consta, expressamente, uma “notificação de compliance” enviada por e-mail à diretoria do Banco Bradesco S/A, em 21/6/2018 e ratificada em 7/7/2018. Na referida notificação estão listadas inúmeras situações de práticas abusivas, ilegais, que foram praticadas e, a despeito da correspondência expedida não houve qualquer resposta ou justificativa quanto aos atos lesivos ao direito e patrimônio dos clientes e correntistas. Neste particular, o caso do Banco Bradesco S/A é o mais grave por envolver diversos questionamentos, na medida em que tais situações foram repetidas em face de outras pessoas físicas e jurídicas.

Houve mudança da Jurisprudência do STJ após a Lei n. 10.931/2004, para se adequar ao novo texto, uma vez que não se admitia ações de execução simplesmente com abertura de crédito; decerto, ainda que após a vigência desta lei, a jurisprudência pátria tivesse que se amoldar ao novo texto, invertendo-se o ônus em favor dos bancos e, ainda assim, constituindo milhares de CCBs sem a necessária comprovação de evolução do débito com liquidação ou compensação monetária (ajuste de contas entre crédito e débito), abusando da eficácia executória como se absoluta fosse, tornando as instituições financeiras vencedoras em milhares de ações judiciais até o presente momento, com a aquiescência do STJ.

Diante da disparidade de direitos e deveres no campo processual, os bancos abusam dos institutos legais em face da sociedade brasileira, ao ponto de tais situações serem denunciadas por revistas nacionais e internacionais, entre outros casos, por empresas, doleiros e pessoas envolvidas nas operações nacionais anticorrupção no âmbito da Zelotes e da Lava Jato.

A conhecida revista britânica The Economist publicou em 3 de agosto de 2018 uma matéria sobre o sistema financeiro brasileiro com o seguinte título: “Bancos no Brasil tem lucro em qualquer situação” informando que desde as décadas de 80 e 90, quando havia hiperinflação, bem como nas crises financeiras de 2015 e 2016, houve registro de lucro por parte dos bancos brasileiros, listados como “cinco grandes bancos”, os que dominam o sistema financeiro nacional, como bem sabemos. Nas referências, há menção a quatro outras matérias sobre o mesmo tema.

As denúncias mencionadas acima, caso ocorressem e fossem confirmadas em países da América do Norte, Europa, Oriente e Oceania, indubitavelmente causariam grande repercussão e punição aos envolvidos; todavia, no Brasil a questão não “levantou voo”, ao passo que a Operação Zelotes não se estruturou com o conhecimento específico do sistema financeiro, tal como ocorrera na Operação Lava Jato. Ainda assim, as barreiras sociais e culturais brasileiras criaram um cenário de irresponsabilidade social e legal por parte das instituições financeiras, ou seja, a certeza da impunidade.

Os casos relatados na escritura pública mencionada não são exclusivos aos empréstimos de capital de giro às empresas, estendendo tais situações às pessoas físicas nos empréstimos pessoais e, principalmente, nos empréstimos consignados, em que milhares de clientes e correntistas sofrem abusos das instituições financeiras. Diante da particularidade do caso e dado o conhecimento público, citamos situações do Banco Bonsucesso S/A (sucedido pelo Banco Olé) e Banco Cruzeiro do Sul S/A, este último, extinto por determinação da presidência do Banco Centra do Brasil (Bacen).

O caso do Banco Cruzeiro do Sul S/A é gravíssimo, pois foi constatado pelo Bacen vários crimes financeiros que repercutiram midiaticamente. Muitos processos judiciais tramitaram, entre eles, uma ação de falência na 2ª Vara de Falência e Recuperação Judicial de São Paulo sob o n. 1071548-40.2015.8.26.0100, inquérito n. 0027885-29.2013.8.26.0100, bem como denúncia do Ministério Público de São Paulo no processo de responsabilidade civil sob o n. 0031335-77.2013.8.26.0100, além das ações criminais n. 006640-61.2012.4.03.6181, 0000162-03.2013.4.03.6181 e ação cautelar de sequestro n. 0011016-90.2012.4.03.6181, todas em trâmite no âmbito da justiça estadual de São Paulo, entre outras ainda em trâmite, mas que não podem ser acessadas em decorrência da restrição de segredo de justiça, sendo que em tais ações o Ministério Público busca o ressarcimento de valores superiores a 3 bilhões de reais, em decorrência do prejuízo causado pelos administradores, à época, do Banco Cruzeiro do Sul S/A ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Neste particular, a massa falida do Banco Cruzeiro do Sul S/A tem ingressado com milhares de ações monitórias contra seus diversos clientes, entre eles servidores públicos estaduais e federais. Particularmente, quanto aos residentes em Porto Velho, especialmente os lotados no TRT-14, tem havido um enfrentamento jurídico que busca a anulação de tais ações, na medida em que a massa falida da citada instituição financeira lesou seus clientes ao ocultar uma investigação do Bacen que determinou a sua falência e extinção das atividades financeiras, ao passo que os clientes (servidores públicos) estão sendo demandados com abuso de cobrança e rolagem de dívida com acréscimo financeiro da mora entre os anos de 2010 ao início das ações, na maioria, entre os anos de 2015 até a presente data, ou seja, só com a “mora” do período de 2010 à 2015 ou 2019, chega-se à 200% (duzentos por cento) do valor da dívida originária.

Sendo necessário arguir se no percurso da Ação de Falência houve acordo com redução ou abatimento das dívidas dos bancos aos credores originários; agora, depois paga a dívida (à menor pela massa falida), se esta busca “ganhar” acima do que estava permitido por contrato e escrituração contábil, na medida que esta deu causa ao rompimento dos contratos com os tribunais e criaram, em seu favor, a rolagem de dívida dos servidores (impagável) para agora executarem os contratos com até 200% (duzentos por cento) de mora, causando rolagem de dívida em benefício da própria massa falida do Banco Cruzeiro do Sul S/A.

Quanto aos empréstimos consignados, mencionamos o caso do Banco Bonsucesso S/A, em que houve expressa reprovação em uma sentença de mérito da 9ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho, com a seguinte afirmação:

O reprovável comportamento das representantes ou corretoras (2ª requerida), contam com a deliberada cegueira das instituições financeiras, que preferem multiplicar seus lucros sem se importar com as fraudes perpetradas contra os tomadores, em sua maioria aposentados, pouco instruídos (embora não seja o caso da autora) e naturalmente mais suscetíveis de serem enganados. O golpe contra a população mais vulnerável é amplamente divulgado nos meios de comunicação, tendo sido objeto de reportagem veiculada pelo programa “Fantástico” no último dia 17 de fevereiro de 2019: https://globoplay.globo.com/v/7389351/ (sic).

Com espeque nas matérias jornalísticas citadas, foi expedido um “alerta de compliance” ao Banco Bradesco S/A em 21/6/2018 e 7/8/2018, respectivamente, no tocante aos casos específicos encontrados nos processos judiciais transitados em julgado e nos demais em trâmite, conforme a citada escritura pública.

Na referida notificação há menção dos métodos antirrepublicanos, obscuros e alvos de investigações referentes às operações Zelotes e Lava Jato, focos das leis federais de lavagem de capitais e de compliance, demonstrando que os “grandes bancos” não aplicam as regras de governança e compliance junto ao sistema financeiro nacional, o que pode ser confirmado pela “mensagem” da Medida Provisória n. 784/2017 (posteriormente substituída pela Lei Federal n. 13.506/2017), quando se buscou estabelecer um marco regulatório para o Sistema Financeiro Nacional, com novas regras de fiscalização, auditoria e controle pelo Poder Monetário Nacional frente às instituições financeiras.

Ocorre que a substituição do texto original da MP n. 784/2017 pela Lei n. 13.506/2017 foi realizada de forma muito tímida, sem qualquer evolução em sua discussão, tendo havido, inclusive, o abrandamento dos procedimentos de investigação e punição, o que, indubitavelmente, deverá ser rediscutido e acompanhado pelos órgãos de controle, bem como pelas demais instituições interessadas e a sociedade civil organizada.

Das informações acima, concluímos que tem ocorrido graves indícios de instabilidade na economia popular, causada pelos grandes bancos, desde a primeira década dos anos 2000, quando houve a euforia do crédito fácil com seu ápice em 2010, seguido pelo endividamento das famílias, com seu ápice em 2015, e a atual dilapidação da saúde financeira e emocional dos correntistas e clientes (pessoas físicas e jurídicas).

Por fim, diante deste cenário, deverá ser convocado um amplo debate em âmbito nacional, em especial junto ao Ministério Público Federal, Ministérios Públicos Estaduais, Coordenadoria Nacional de Defesa do Consumidor, Congresso Nacional, Ministério da Fazenda, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários, Advocacia Geral da União, Controladoria Geral da União, Confederações e Federações de Indústria e Comércio, Câmaras de Dirigentes Lojistas, sites de notícias de cobertura regional e nacional, emissoras de rádio e televisão de expressão regional e nacional, revistas e/ou publicações econômicas em esfera regional e nacional (Valor Econômico, FGV, Infomoney, entre outros) para buscar modificar, aperfeiçoar e aplicar as leis federais em face das instituições financeiras, como forma de se garantir a estabilidade da economia popular e a correção das injustiças causadas à sociedade brasileira, às voltas com as indecentes manchetes a noticiarem lucros recordes trimestrais e anuais dos grandes bancos brasileiros.

Referências

ASSUMPÇÃO, Renato Djean Roriz de. Da necessidade de adoção de regras rígidas de compliance em face das instituições financeiras e consequente institucionalização do marco regulatório no Sistema Financeiro Nacional. Publicado no site Jusbrasil em: 21 set. 2019. Disponível em: https://bit.ly/renatodjean-artigo-regras-marco-regulatorio-financeiro.

ASSUMPÇÃO, Renato Djean Roriz de. Compliance no sistema financeiro nacional. Publicado no site Jus Navigandi em: 21 set. 2019. Disponível em: https://bit.ly/renatodjean-compliance-sistema-financeiro.

ASSUMPÇÃO, Renato Djean Roriz de. Compliance do sistema financeiro. Publicado no site Deixaeutefalar.com em: 20 set. 2019. Disponível em: https://bit.ly/renatodjean-compliance-do-sistema-financeiro.

BANCOS NO BRASIL TÊM LUCRO ALTO EM QUALQUER SITUAÇÃO, DIZ ‘THE ECONOMIST’. Publicado no site UOL em: 3 ago. 2018. Disponível em: https://bit.ly/lucro-bancos-brasil.

EMPRESAS ENTRAM NA JUSTIÇA CONTRA CARTEL DO CÂMBIO, DIZ JORNAL. Publicado em Valor em: 3 jul. 2018. Disponível em: https://bit.ly/empresas-contra-cartel-do-cambio.

GOVERNO JÁ PERDOOU R$ 27 BILHÕES DE BANCOS PRIVADOS EM 2017. Publicado no site da Rádio Brasil Atual em: 23 ago. 2017. Disponível em: https://bit.ly/perdao-aos-bancos-privados.

NEIRA, Ana; PAPP, Anna Carolina. O compliance como cultura. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo em: 6 jul. 2018. Disponível em: https://bit.ly/o-compliance-como-cultura.

YOUSSEF USOU 6 BANCOS PARA LAVAR DINHEIRO DESVIADO DA PETROBRAS NO BRASIL. Publicado no site do UOL em: 1 jul. 2018. Disponível em: https://bit.ly/lavagem-dinheiro-petrobras.

Sobre o autor

Renato Djean Roriz de Assumpção

Advogado há mais de 12 (doze) anos com atuação em direito público (constitucional e administrativo) e privado (civil e comercial), é consultor de negócios e investimentos, com especialidade em Direito Constitucional, Tributário. Tem especialização (MBA) de Negócios Internacionais com foco em International Business Management.

Deixe um comentário