No presente artigo vamos apresentar as alterações que ocorreram nas sessões de julgamento dos tribunais durante a pandemia (Covid-19) e explicar as diferentes modalidades de sessão que estão sendo realizadas. Vamos discorrer sobre a sustentação oral e como tem sido oportunizada a sua realização pelos tribunais, assegurando, assim, as garantias constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório e da indispensabilidade do advogado no processo. Por fim, vamos mostrar a saída encontrada pelos tribunais para assegurar a publicidade das sessões, permitindo, assim, que toda a sociedade possa acompanhar os julgamentos, mesmo durante o período de distanciamento social. A sessões de julgamento nos tribunais brasileiros já estavam sofrendo um processo de modernização, processo esse que em decorrência da pandemia (Covid-19) se acelerou. O que vimos nos últimos meses foi uma verdadeira transformação nesses Tribunais, que passaram de uma vez por todas para o universo on-line.
Inicialmente, é preciso aqui ressaltamos que durante a pandemia os tribunais estão realizado dois tipos de sessões de julgamento: sessões virtuais e sessões telepresenciais. Tal diferenciação é de suma importância, pois cada uma dessas modalidades de sessões de julgamento acontece seguindo um rito próprio, conforme explicaremos abaixo.
A sessão de julgamento realizada por videoconferência, denominada telepresencial, possui grande similaridade com o regramento das sessões presenciais, havendo reunião entre os julgadores em dia e horário determinado para deliberar a respeito dos processos pautados. A diferença entre a sessão presencial é que os julgadores não se reúnem em um mesmo espaço físico (o plenário); essa reunião ocorre on-line por meio da videoconferência, sendo possível aos advogados a realização da sustentação oral nessa modalidade de sessão.
Quanto à sessão de julgamento em plenário virtual, esta possui regramento distinto da sessão presencial, não havendo reunião entre os julgadores em data e hora determinada para julgamento dos processos pautados. Sua característica principal é a duração, que se estende por alguns dias, podendo os julgadores votarem na data de sua escolha, obviamente dentro do período previsto para a duração da sessão.
Ressaltamos que, em regra, não é possível a realização da sustentação oral nessas sessões virtuais. A única exceção ocorre nas sessões realizadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme disposto na Resolução1 n. 675 de 22/4/2020/STF, que permite ao advogado a juntada de um vídeo em mídia digital nos autos, numa espécie de sustentação oral gravada (modalidade de sustentação oral que, ao me ver, possui inúmeras críticas). Quanto a esses plenários virtuais, existe grande discussão no meio jurídico a respeito dessas sessões e se elas violam ou não princípios fundamentais da República. Ressalto que tal modalidade de sessão está expressamente autorizada pelo Código de Processo Civil (artigo 193 c/c artigo 943, CPC/15), e, a meu ver, tais sessões são uma evolução e não ferem nenhum princípio constitucional. Ademais, entendo que o Judiciário não pode ficar distante e alheio a essa nova realidade virtual que nos cerca, com muito mais intensidade durante a pandemia.
Vale aqui ressaltarmos que dos mais flagrantes benefícios das sessões virtuais são a eficiência e celeridade da tramitação dos processos nos tribunais, pois com a realização dessas sessões se otimiza a pauta dos julgamentos. Tanto é que no período da pandemia muitos tribunais passaram a realizar tais sessões semanalmente, julgando, assim, processos em ritmo nunca visto por nossa sociedade. Minha única crítica às sessões virtuais se restringe ao fato de que deveria sempre ser permitido aos advogados a possibilidade de solicitarem a retirada do seu processo dessa modalidade de sessão, sem maiores justificativas ou necessidade de inscrição para sustentação oral. E sobre isso, temos encontrado certa resistência em alguns tribunais. Sobre a retirada de processos da pauta virtual, trago aqui a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça2, que reconhece o direito da parte a se opor à sessão de julgamento virtual:
“Não há no indeferimento da Corte de origem justificativa para a denegação do pleito de julgamento presencial, de modo que mais seguro é privilegiar por ora o direito à escolha da parte pelo julgamento com presença física. Deste modo, concedo a liminar pleiteada para imediata retirada do julgamento virtual da apelação criminal n° 5009641- 11.2011.4.04.7107/RS, de José Adriane da Silva Mendes, até o julgamento do mérito deste habeas corpus ou prévio julgamento presencial físico.”
No tocante à sessão telepresencial, sua realização é, sem dúvida, um dos maiores avanços já vistos nos tribunais brasileiros dos últimos anos. Em nenhum outro momento da nossa história o acesso à justiça esteve tão democratizado ou se deu tanta publicidade às sessões de julgamento, como estamos vendo ocorrer agora.
Quanto a esses plenários virtuais, existe grande discussão no meio jurídico a respeito dessas sessões e se elas violam ou não princípios fundamentais da República. Hoje é possível realizar uma sustentação oral no plenário do Supremo Tribunal Federal sem sair da nossa casa ou escritório, bastando para isso realizar a inscrição no prazo solicitado pelo Tribunal3 (vide regimento interno). Antes da pandemia, muitos tribunais eram resistentes à autorização de realização da sustentação oral por meio da videoconferência pelos advogados, principalmente nossos tribunais superiores. Vale ressaltar que a previsão da sustentação oral por meio da videoconferência está prevista no art. 937, § 4º, do CPC, não sendo nenhuma novidade em nosso ordenamento jurídico.
Nesse aspecto, os nossos tribunais locais sempre estiveram um passo à frente, pois, tanto o TRT14 quanto o TJRO, já asseguravam essa possibilidade aos advogados que não residiam na capital, mesmo muito antes da pandemia. Assim, vemos que as sessões de julgamento telepresenciais são um grande avanço, principalmente no tocante à efetivação do direito a sustentação oral dos advogados, pois, ao se adequarem para a realização das sessões telepresenciais, os tribunais passarão a permitir a possibilidade da realização da sustentação oral por meio da videoconferência. Quanto à sustentação oral por videoconferência, minha única preocupação é que os tribunais compreendam que algumas circunstâncias imprevisíveis, como a falha da conexão da internet ou a queda de energia no momento da realização da sustentação oral, não podem ser de responsabilidade exclusiva dos advogados.
Nesse sentido, cito a minha extrema preocupação com a redação do ato conjunto 173/ TST.GP.GVP.CGJT, de 30 de abril de 2020, do Tribunal Superior do Trabalho4, que dispõe em seu art. 19, inciso III, § 8° e 9°, ser a responsabilidade pela conexão estável à internet exclusiva dos advogados.
Prevê a citada resolução que, caso no momento em que o advogado estiver realizando a sua sustentação oral, por algum motivo sobrevenha uma falha na conexão da internet e assim ocorra a impossibilidade de concluir a sustentação oral, o processo será julgado no estado em que se encontra, ficando preclusa a oportunidade de apresentar a sustentação oral naquela sessão.
Art. 19
§ 8º A responsabilidade por conexão estável à Internet, instalação e utilização do equipamento e do aplicativo de acesso à Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais é exclusiva do advogado.
III – caso a dificuldade ou indisponibilidade tecnológica decorra da situação prevista no § 8o deste artigo, salvo motivo justificado, o processo será julgado no estado em que se encontra, ficando preclusa a oportunidade de apresentar a sustentação oral.
Vale aqui a lembrança de que a sustentação oral é, em parte, a materialização de quatro pilares da Constituição Federal: o devido processo legal; a ampla defesa; o contraditório; e a indispensabilidade do advogado.
Assim, a previsão da citada resolução, que menciona a prejudicialidade da sustentação oral e julgamento do feito no estado em que se encontra, não me parece a solução mais adequada. Deveriam o tribunal assegurar, caso a conexão da internet seja interrompida no momento da sustentação oral, que o processo seja retirado de pauta e incluído na próxima sessão subsequente para que então ocorra seu julgamento com a realização adequada da sustentação oral.
Com essa única ressalva, acredito ser a sustentação oral por videoconferência um grande avanço na aproximação dos advogados com os tribunais pátrios.
Por último, cito outro inegável avanço que a pandemia nos trouxe quanto às sessões de julgamento: a transmissão ao vivo pelos canais do Youtube dos tribunais das suas sessões de julgamento, assegurando, assim, o princípio da publicidade dos julgamentos. Quem poderia imaginar isso dez anos atrás? Hoje, qualquer pessoa pode acompanhar ao vivo o julgamento do seu processo, sem a necessidade de se deslocar até a sede do tribunal. Isso é dar a mais ampla e irrestrita efetividade ao princípio da publicidade.
Assim, vemos que com pequenas ressalvase melhorias necessárias, as sessões virtuais e telepresenciais são um grande avanço, que nos aproximam ainda mais dos tribunais brasileiros, assegurando celeridade nos julgamentos e a efetiva participação dos advogados nas sessões, mesmo aqueles que residem em cidade distinta da sede do tribunal. Que esses avanços permaneçam no cenário pós-pandemia e que possam assegurar cada vez mais a efetiva participação dos advogados nas sessões de julgamento.
Considerações finais
No artigo demostramos que, mesmo durante à atual pandemia, os tribunais mantiveram seu pleno funcionamento, inclusive realizando diversas sessões de julgamento. Compreendemos a distinção entre as sessões de julgamento virtuais e telepresenciais, discorrendo sobre as características dessas sessões. Explicamos como é possível a realização da sustentação oral por videoconferência e como essa possibilidade pode ser extremamente vantajosa para advogados que não residam nas cidades sedes dos tribunais. Por fim, demostramos que por meio de seus canais no Youtube os tribunais têm assegurado a devida publicidade das sessões de julgamento, aproximando, assim, o jurisdicionado do tribunal, como nunca antes havia ocorrido.
Notas
1 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Resolucao675.pdf
2 Disponível em: https://www.oab-sc.org.br/arquivo/update/331_58_5edd1a1fd 9d37.pdf
3 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTextoMultimidia.asp?servico=atendimentoStfServicos&idConteudo= 178397&modo=cms#62
4 Disponível em: http://www.tst.jus.br/documents/10157/63416/TST+Ato+Conjunto+Consolidação+COVID-19.pdf/92d38e24-e-9e1-4186-e50b-f56773b5a9da?t=1588276637788
Érica Vairich
Advogada com 13 anos de atuação em diver- sos tribunais, como TJ/RO, TRT14 e TRF1 e tribunais superiores. Especialista em Ciências Criminais e Processo Civil. Criadora do projeto “Advogando nos tribunais”.