A essencialidade da Advocacia em tempo de pandemia

1 Introdução

Em tempo de isolamento social em virtude da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), inúmeras atividades comerciais e serviços foram obrigados a cessarem momentaneamente o seu funcionamento, permanecendo apenas aqueles serviços considerados essenciais para a população em geral.

Viu-se em diversos estados da federação, dentre eles Rondônia, decretos governamentais obstando o funcionamento dos escritórios de advocacia, por considerarem que tal serviço não seria essencial para a população, todavia, tal entendimento fere de morte o preceito constitucional disposto no art. 133 da Constituição Federal de 1988, donde se extrai que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Mais ainda, querer restringir a atuação da advocacia é uma ofensa ao Estado Democrático de Direito; é atentar contra os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, os quais são direitos e garantias reservados a todos os cidadãos, assistidos por um advogado no livre exercício do seu mister. O livre exercício da advocacia não pode ser amordaçado de maneira alguma, sob pena de ser tolhida da sociedade a sua prerrogativa democrática de defesa ou a reivindicação de seus mais elementares direitos.

2 Do livre exercício da advocacia

Conforme dito alhures, o art. 133 da Carta Política de 1988 positivou a essencialidade e a indispensabilidade dos serviços de advocacia, direito esse que não pode ser mitigado, eis que há a efetiva necessidade da permanência ininterrupta do exercício da advocacia em tempo de pandemia.

Quanto à efetiva necessidade da permanência do exercício da advocacia em tempo de pandemia, mostra-se oportuno citar trecho do artigo intitulado “A indispensabilidade e a inviolabilidade no exercício da advocacia”, de autoria do colega advogado, Dr. Rui Celso Reali Fragoso, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, in verbis: O art. 133 da CF, na verdade, não trata de homenagem ao advogado, ao lado dos magistrados e dos integrantes do Ministério Público, dentre aqueles que exercem função essencial à Justiça. Muito além do justo reconhecimento, a disposição constitucional, na essência, é garantia do próprio cidadão. (…) As normas jurídicas são de natureza técnica, especialmente as processuais, e a atuação das partes, sem a presença do advogado, implica, muitas vezes, a insuficiência de argumentos para sua defesa, com a consequente negativa de seu direito. A atuação do advogado, longe do interesse corporativo, é necessária para a interpretação do direito que o cidadão comum desconhece, mas necessita. (…) Assim, conferida no exercício da atividade advocatícia, a inviolabilidade de que trata o art. 133 da CF atende aos princípios pétreos de nosso Estado Democrático de Direito – a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal –, direitos reservados a todo cidadão e, por decorrência, ao advogado no exercício de sua atividade em defesa deste cidadão (Fragoso, 2020).

No plano infraconstitucional, encontra-se positivado no Estatuto da Advocacia (Lei Federal n. 8.906/94), em seu art. 2º e parágrafos, a essencialidade e a indispensabilidade dos serviços advocatícios para a administração da Justiça. O caput do referido artigo de lei dispõe que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Extrai-se do § 1º que “no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social” e, prossegue o § 2º dispondo que “no processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público” e, por fim, o § 3º arremata asseverando que “no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei”.

O livre exercício da advocacia não pode ser amordaçado de maneira alguma, sob pena de ser tolhida da sociedade a sua prerrogativa democrática de defesa ou a reivindicação de seus mais elementares direitos. Depreende-se, portanto, que a atividade do advogado é essencial à administração da Justiça, a rigor do art. 133 da Constituição Federal e dos artigos 2º, §§ 1º, 2º e 3º do Estatuto da Advocacia, uma vez que a Justiça é fundamental para a administração dos efeitos do novo coronavírus na sociedade brasileira, considerando os reflexos criminais, cíveis, tributários, trabalhistas e o impacto da pandemia da Covid-19 na vida das pessoas naturais e jurídicas.

A título de exemplo, não se pode perder de vista que as autoridades policiais vêm cumprindo o seu papel, efetuando prisões em flagrante, logo, criar embaraços para o exercício da advocacia seria, em verdade, criar meios para obstaculizar a defesa da garantia dos direitos fundamentais do cidadão na esfera criminal.

Nesse diapasão, é oportuno destacar a obra de Evandro Lins e Silva, denominada “Ruy e os Direitos Humanos”, onde o referido autor ao se referir à advocacia na esfera criminal assevera que “o papel do advogado é muito importante e não apenas ilusório, nesses momentos, com a simples ação de presença. É conforto para o preso, esperança para a família e temor para o carrasco”.

Logo, não pode o advogado ser obstado de exercer o seu mister constitucional, mormente porque a sua inércia pode causar dano irreparável ao jurisdicionado, com a perda de prazos e o perecimento de direitos, necessitando, inclusive, realizar atendimentos presenciais de clientes que não têm acesso à rede mundial de computadores ou mesmo os que tenham dificuldade de lidar com as novas tecnologias. É mister ressaltar que o reconhecimento do mister advocatício como atividade essencial em tempo de pandemia não implica, por óbvio, que os advogados não devam cumprir com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e das autoridades locais, quanto ao uso de máscara, higienização frequente das mãos e objetos de uso comum, evitar aglomerações, previstas nos atos normativos do poder executivo estadual e municipal, por ocasião do exercícios de suas indispensáveis atividades, prioritariamente, por meio de trabalho remoto, como forma de preservar a saúde de todos.

Por derradeiro, cumpre destacar que, em Rondônia, a advocacia somente foi reconhecida pelo governo estadual como atividade essencial após a seccional rondoniense da Ordem dos Advogados do Brasil impetrar o mandado de segurança n. 0803189-66.2020.8.22.0000, no Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, sob relatoria da eminente Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno, que concedeu liminar em 14 de maio de 2020 para “autorizar o funcionamento de escritórios de advocacia como serviços essenciais, com observância das medidas de prevenção de saúde publica de combate à Covid-19, previstas nos atos normativos do Poder Executivo Estadual e Municipal”.

3 Considerações finais

Não há dúvidas acerca da essencialidade dos serviços advocatícios em tempo de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), pois cabe ao advogado a missão constitucional de afiançar ao cidadão o acesso à Justiça, salvaguardando o pleno exercício de seus direitos e garantias fundamentais. De modo que, limitar o exercício dos profissionais de advocacia seria o mesmo que amordaçar toda a sociedade, privando-a de um serviço verdadeiramente essencial em um Estado Democrático de Direito, o que, por certo, é inconcebível, eis que a advocacia é mais que uma profissão, tem uma função social indispensável, pois é o advogado o termômetro nos primeiros sinais de arbitrariedade.

O saudoso Juiz Federal da Seção Judiciária de Rondônia, Dr. Herculano Martins Nacif, em sua obra Eles, os advogados, vistos por um juiz, fez questão de destacar a importância histórica dos advogados e a sua relevância social na garantia do acesso à Justiça, ressaltando sempre a indispensabilidade do advogado. Ao arremate, é mister trazer à lume uma das brilhantes frases de Rui Barbosa, o qual, com a sapiência que lhe era peculiar, asseverou que “seja quem for o acusado, e por mais horrenda que seja a acusação, o patrocínio do advogado, assim entendido e exercido assim, terá foros de meritório, e se recomendará como útil à sociedade”.

Assim, deve a advocacia seguir em frente, salvaguardando os interesses da sociedade e do cidadão, a qualquer tempo e sob qualquer circunstância.

Referências

FRAGOSO, Rui Celso Reali. A indispensabilidade e a inviolabilidade no exercício da advocacia. Disponível em: www.migalhas.com.br/ depeso/302765/a-indispensabilidade-e-ainviolabilidade-no-exercicio-da-advocacia Acesso em: 14 jun. 2020.
JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. 6. ed. Revista dos Tribunais.
NACIF, Herculano Martins. Eles, os advogados, vistos por um juiz. Porto Velho, edição do autor, 2010.
SILVA, Evandro Lins e. Ruy e os direitos humanos. Disponível em: www.nplyriana.adv.br/link_geral2.php?item=palestras4&titulo =Ruy+e+os+Direitos+Humanos (13 de 14) 22/3/2007. Acesso em: 14 jun. 2020.

Igor Habib Ramos Fernandes

Advogado em Rondônia. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Eleitoral, ambos pela Faculdade Damásio. Diretor-tesoureiro da Caixa de Assistência dos Advogados de Rondônia (Caaro). Procurador-geral da Câmara de Vereadores de Porto Velho/RO.