A Inteligência Artificial (IA) é uma vertente da computação que lida com a automatização de sistemas pelo uso de algoritmos e dados. Através de softwares jurídicos e sistemas presentes, inclusive em tribunais, este conceito vem sendo aplicado ao direito e à advocacia, apesar de ter se originado ainda na década de 1950.

Entre 1920 até meados de 1950, o pensamento predominante na psicologia era o behaviorismo (surgido ainda no século XIX), no qual a ciência era considerada como ato do comportamento humano, sem que houvesse processamento de informações, apenas reflexos.

Com a evolução do pensamento humano, surgem correntes de entendimento que procuram conhecer mais a respeito dos processos e dos fatos, buscando penetrar nos detalhes dos acontecimentos, uma ciência muito mais cognitiva do que empírica. São esses vários detalhes que a inteligência artificial se propõe a estudar, e já que são inúmeros os ramos do saber, também é imensa a capilaridade deste ramo, apesar de ele ser um só.

Desta feita, pode-se perceber que, como a Inteligência Artificial é aplicada nos mais diversos ramos, proporcionando facilidades quando bem aplicada, no âmbito do direito não poderia ser diferente.

Ora, vejamos, na medicina, por exemplo, algumas operações e diagnósticos mais complexos são mais facilmente alcançados por conta da inteligência artificial. Na economia, a inteligência artificial possibilita diagnósticos e prognósticos de cenários financeiros.

Na advocacia, por sua vez, programas podem procurar jurisprudências, analisar julgados, súmulas e legislações, comparando-as e propondo soluções; tais programas, inclusive, podem aprender cada vez mais quando questionados acerca de suas hipóteses ou à medida que vão sendo utilizados – como é o caso do Ross e do Eli, intitulados primeiros “robôs advogados” do mundo e do Brasil, respectivamente; ou ainda um determinado programa pode apenas facilitar a gestão de escritórios de advocacia, informando data e pauta de audiências ou até mesmo realizando cálculos trabalhistas.

Caso você ainda não conheça, o Ross e o Eli são plataformas criadas a partir de pesquisas sobre Inteligência Artificial (IA). Conforme já tratado acima, temos que estas plataformas recebem informações de forma natural, efetuam suas pesquisas através das fontes do direito e apresentam suas soluções e proposições aos advogados contratados de um escritório.

Essas plataformas geraram inúmeras discussões acerca de uma possível finalização da atividade jurídica humana em um futuro próximo, ocasião em que os advogados seriam substituídos por computadores e seus programas, que efetuariam pesquisas, montariam processos e os protocolariam, sem que houvesse a interferência humana, a não ser, no início do procedimento na inserção dos dados a serem analisados para a realização das etapas subsequentes. Esses fatos abriram ainda margem para pensamento futuro da possível existência de um robô-juiz e até de um robô-cliente, o que, de certo, deve ser acompanhado pelo meio jurídico para que legislações pertinentes sejam criadas a fim de estabelecer limites a tais situações, acompanhando, assim, o desenvolvimento da tecnologia e da sociedade como um todo.

Por outro lado, vemos que as inovações e as tecnologias, cada vez mais, permeiam o meio jurídico e facilitam seus procedimentos, como foi o caso da digitalização dos processos, a qual nos livrou de mesas cheias de volumes de papéis que, muitas vezes, enquanto estivessem sob a posse de um advogado, não poderiam ser consultados pelas demais partes envolvidas. A digitalização dos processos nos colocou em um ambiente novo, virtual, mais célere, em que os envolvidos em um único processo podem, simultaneamente, consultá-lo sem prejuízo algum.

Ainda podemos lembrar de quando os advogados precisavam consultar os diários oficiais impressos para verificar se havia alguma publicação com seu nome ou de quando tinham que guardar vários volumes de processos em seus arquivos para uma possível consulta posterior.

Então, desde um pensamento de automação jurídica a modernos sistemas de conhecimento jurídico (knowledge-based systems) temos a influência da IA. Hoje, por exemplo, muitos escritórios de advocacia utilizam plataformas que efetuam uma sugestão de programação diária mais eficiente, fundamentada nos prazos processuais e demais atividades existentes, maximizando a efetividade e eficiência de suas rotinas.

Logicamente, quando mal utilizada, a tecnologia pode trazer prejuízos, muitas vezes, irreparáveis, como no caso em que um cidadão, ao entender pela autotutela perante alguns tribunais, utiliza modelos prontos, adquiridos na rede mundial de computadores, acreditando ser possível ir até o final de um processo e obter êxito neste, sem o auxílio profissional de um advogado.

Hoje, por exemplo, muitos escritórios de advocacia utilizam plataformas que efetuam uma sugestão de programação diária mais eficiente…

Por outro lado, o incremento da tecnologia vem fazer com que a transparência, requisito obrigatório na relação cliente-advogado, seja muito mais efetiva. Conforme já tratado acima, a qualquer momento, o cliente pode consultar partes de seu processo por meio dos sites dos tribunais.

Assim, mesmo na utilização, ou não, de tecnologias no meio jurídico, existem ônus e bônus que precisam ser sopesados, cabendo aos operadores do direito a análise dos benefícios proporcionados, e a que custos eles são alcançados.

Importa observar que na realidade vivenciada nos grandes escritórios de advocacia, advogados juniores são, muitas vezes, responsáveis pela pesquisa de jurisprudências, pesquisas doutrinárias, realização de audiências de conciliação, além da elaboração de petições em massa. Consideremos que algumas destas atividades podem ser realizadas pela IA.

Pela análise do disposto, vê-se que em um meio no qual é extremamente complicado para que um jovem advogado possa começar a atuar, já que enfrenta situações que vão desde a inexperiência, chegando à dificuldade de captação de clientes, agora estes jovens advogados também tem que enfrentar a concorrência de uma plataforma que consegue ser bem mais célere, que minimiza a probabilidade de possíveis erros e ainda assim aumenta a produtividade dos escritórios.

A expectativa pela utilização da IA nos escritórios não pode redundar na retirada dos advogados de cena, até porque, são eles que realizam as atividades de supervisão das petições, acompanhamento de processos, além de serem responsáveis pela elaboração de teses jurídicas mais complexas; em caso de utilização da IA, estes advogados também são responsáveis por supervisionar e questionar a plataforma, não sendo apenas sujeitos passivos nessa relação para a confecção de petições ou mesmo no protocolo delas – trata-se de atividade privativa de advogado.

Em contrapartida, um advogado que não precise mais cuidar de algumas rotinas ou que consiga realizar suas rotinas com eficiência e de forma mais rápida, vai encontrar mais tempo para desenvolver as tarefas de seu escritório que não são, e nem podem ser automatizadas, possibilitando um melhor exercício das atividades intelectuais, um maior contato entre o advogado e seu cliente e ainda tempo para trabalhar em novas teses que possam impactar positivamente o meio jurídico.

Não é possível esquecer-se que existem habilidades imanentes aos advogados que não podem ser dominadas pela IA, qualidades do operador do direito que não podem ser copiadas, mas unicamente desenvolvidas por humanos na prática e no tempo, devidamente transcorrido, como quando se trata, por exemplo, de pensamento crítico, capacidade criativa, ética, intuição, sabedoria, astúcia, propósito, imaginação e empatia.

Destarte, caberá aos advogados decidirem se a tecnologia será utilizada a seu favor, auxiliando-os em suas tarefas, no exercício de sua profissão e na promoção da justiça ou se permitirão que a tecnologia dilacere suas atividades retirando-os, inclusive, do mercado de trabalho.

Ora, a utilização consciente de plataformas ou tecnologias não pode suprimir o poder decisório e as responsabilidades atribuídas aos operadores do direito; antes, estas tem que ser utilizadas como mais um instrumento, uma ferramenta que auxilie o advogado.

De certo que algumas iniciativas tecnológicas, surgidas com o pretexto de trazer auxílio nas atividades realizadas por advogados, na verdade, são uma forma disfarçada de mercantilização da advocacia e de captação indevida de clientes e devem ser vedadas por colocarem em risco a proteção e a segurança dispensadas pelo sistema, restando incontroverso que a regulamentação da atividade advocatícia não é obstáculo à evolução da tecnologia em sua área.

Ademais, uma das características mais importantes nessa problemática é a empatia, qualidade presente apenas em seres humanos que, diferentemente das máquinas, conseguem levar em conta, no momento de atuar, uma série de fatores não algoritmáveis, permeadores da vida em sociedade como no que toca aos aspectos socioculturais, políticos e econômicos, característica não duplicável pela IA.

 Portanto, seja qual for o avanço tecnológico vivenciado pela sociedade ou a implementação tecnológica incrementada no meio jurídico, o advogado será sempre indispensável à administração da Justiça e defesa do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social (Art. 2º do CED).

A expectativa na utilização da IA nos escritórios não podem visar retirar os advogados de cena…

 Outrossim, são atividades privativas da advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e, também, as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas (Art. 1º do Estatuto da OAB), sendo nulos atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB (Art. 4º, Estatuto da OAB).

Encontramos igualmente no regramento ético da profissão a determinação de que é incompatível o exercício da advocacia com quaisquer formas de mercantilização (Art. 5º CED), como também é vedado ao advogado oferecer serviços que possam indevidamente angariar ou captar clientes (Art. 7º CED). Não sendo impedidos, os advogados, de tratarem sobre suas capacidades e distinções técnicas, apresentando de forma ética e com profissionalismo suas qualificações, a fim de conquistarem a confiança de seus clientes.

Além disso, podemos ver que existe legislação pertinente que pode ser usada para tratar da temática e proteger a advocacia de uma possível permeabilidade nociva da utilização da tecnologia, e que possibilita, igualmente, essa mesma permeabilidade, quando positiva.

Desta forma é que o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, seccional São Paulo enfrentou essa matéria no Proc. E-4.880/2017 – v.u., em 19/10/2017, do parecer e ementa do Rel. Dr. SÉRGIO KEHDI FAGUNDES, Rev. Dr. FÁBIO TEIXEIRA OZI – Presidente Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI. Nesse caso, esse Tribunal julgou que enquanto a IA for utilizada com a finalidade de auxiliar o advogado em sua rotina, sem ser utilizada de forma que contrarie o Código de Ética e Disciplina da OAB e não interfira em atividades privativas de advogados, essa tecnologia é perfeitamente utilizável no meio jurídico.

Em suma, os prejuízos que podem vir a ser causados por uma má utilização das tecnologias podem ser funestos aos operadores do direito. Assim, cabe a nossa classe acompanhar o desenvolvimento social e científico, não permitindo que o direito e a advocacia tornem-se porosos pelo simples fato de estarmos fascinados pelas facilidades que a tecnologia possa nos proporcionar. Afinal, irreparáveis podem ser as consequências de tal postura.

Conforme as sábias palavras paternas que me soam à memória: “Nem sempre o caminho mais rápido e mais fácil é o mais eficaz”.

Antoniony dos Santos Souza

Advogado atuante principalmente nas áreas de Direito de Família e Consumidor. Formado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Letras de Rondônia. Especialista em Direito, Meio Ambiente e Sustentabilidade – Unicesumar, SC. Pós-graduando em Direito Civil, Processo Civil e Direito Material e Processual do Trabalho (Unama).