Atendimento nas agências da Previdência Social pós-pandemia

Pode-se dizer que a nítida identificação de eventos derivados da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) se instalou no Brasil em meados de fevereiro de 2020, dado o marco da Portaria GM/MS n. 188/2020, do Ministério da Saúde, que declarou “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional” (Espin).

Em pronto rompante veio a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e logo em seguida inúmeros decretos estaduais e municipais, que instituíram e regulamentaram a “quarentena” e o “isolamento”, entre outras medidas. Consequentemente, o serviço público não essencial começava a fechar suas portas ao atendimento presencial do cidadão.

Apura-se que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tenha feito suas primeiras regulamentações de alteração em seu fluxo de atendimento a partir de 17 de março de 2020, com a Portaria n. 373, de 16 de março de 2020; Portaria n. 72/DIRAT/INSS, de 16 de março de 2020; e Portaria INSS n. 375, de 17 de março de 2020. Tais normas estabeleceram orientações quanto às medidas protetivas que deveriam ter sido adotadas no âmbito do INSS e das unidades descentralizadas, quando do atendimento ao público, para prevenção ao contágio.

Todavia, ao invés de implantar as referidas medidas protetivas, o que se constatou, ao menos em Rondônia, já a partir de 18 de março de 2020, foi uma suspensão total de todas as formas de atendimento presencial à população.

A partir de tal data, pouco importava se tratasse de cidadão com perícia médica agendada há mais de mês ou que porventura precisasse apenas juntar documentos rurais para ver seu benefício concedido, mesmo que por intermediação de advogados que traziam, intrínsecos, suas prerrogativas; todos encontrariam as portas das agências da previdência social fechadas, sem ninguém para atender.

Não é de todo incompreensível tal postura de suspensão abrupta de qualquer atendimento presencial, afinal, o público maciço do INSS é composto por pessoas de idade avançada ou com quadro de saúde comprometido, ou seja, pessoas que apresentam condições favoráveis para o agravamento da doença.

Porém, outra nítida característica de tal público é a dependência de renda mensal para despesas básicas de manutenção de vida, como moradia, água, luz, alimentação etc. Logo, natural que a população ficasse extremamente ansiosa por uma posição concreta da autarquia, e temerosa pelos dias miseráveis que se anunciavam.

O pronunciamento oficial de suspensão do atendimento presencial com atendimento exclusivamente pelos canais remotos deu-se a partir do dia 20 de março de 2020, pela Portaria n. 8.024, de 19 de março de 2020 e pela Portaria n. 412, de 20 de março de 2020. Com isso, todos os cidadãos e atores da seara previdenciária viram-se abandonados à própria sorte à mercê dos instáveis canais de atendimento à distância até então existentes, quais sejam o site e aplicativo “Meu INSS” ou o teleatendimento por meio do número 135.

Nesse cenário, por boa atuação da Ordem dos Advogados do Brasil Secional Rondônia, a advocacia rondoniense conta ainda com o canal remoto alternativo “Portal da Entidade Conveniada-SAG”, para requerer os principais serviços e benefícios à previdência social em representação de seus clientes.

Apesar de insuficientes, é certo que a continuidade de prestação dos serviços previdenciários pela via remota em tempos de calamidade somente foi possível porque bem antes de se cogitar a realidade de uma pandemia, em 2011, iniciou-se uma efetiva caminhada de instituição de processo eletrônico no âmbito do INSS, pela Resolução INSS/PRES n. 166, de 11 de novembro de 2011; porém, caminhando a passos extremamente lentos e imperceptíveis, até que em 2017, com a Portaria n. 1.106 /PRES/INSS, de 30 de junho de 2017, o projeto então nominado de “INSS Digital – Uma nova forma de atender” se pronunciou em um fluxograma concreto de expansão.

A linha geral do projeto consiste em eliminar as longas filas de espera para atendimento, a grande demanda de material de expediente e mão de obra e a discrepância de entendimento administrativos sobre a mesma matéria.

E para tanto haveria um redirecionamento das pessoas em busca de serviços previdenciários, primeiramente, para aos canais remotos, com possibilidade de já se anexar documentos comprobatórios do direito e acompanhar o andamento do requerimento, bem como sua decisão, remotamente; e somente num segundo momento, nos casos necessários, disponibilizar dia e hora previamente marcados para o cidadão comparecer pessoalmente a uma agência da previdência social mais próxima de sua residência, a fim de resolver alguma pendência que o sistema remoto não tenha sido capaz de suprir.

Do prisma interno do INSS, viabilizaria-se o trabalho remoto, uma vez que a análise dos requerimentos deixou de ser física e vinculada àquele servidor de atendimento, passando a ser distribuída eletrônica e imparcialmente entre polos de análise, inclusive com especialidades técnicas concernentes ao tipo de benefício objeto do processo administrativo.

É claro que a implantação do projeto já encontrara diversos obstáculos antes mesmo da deflagração da pandemia, como a falta de infraestrutura da empresa pública responsável pela programação e desenvolvimentos dos sistemas, a Dataprev; o imenso volume de demandas, já que o INSS estima 55 milhões de segurados, sendo 36 milhões beneficiários ou ainda a constatação por pesquisas de que 1 a cada 4 brasileiros não tem acesso à internet.

Nessa peregrinação, o caos se instalou em 2019, com a maciça aposentadoria dos servidores do INSS, que teve seu quadro, em extremo curto espaço de tempo, reduzido de 33 mil para cerca de 25 mil servidores; culminando com a apuração catastrófica de cerca de 1,5 milhões de requerimentos pendentes de decisão administrativa em fila de espera de até um ano e meio para conclusão.

Outrossim, em que pese as perturbantes expectativas, há que se observar que a era calamitosa da Covid-19 tem surpreendentemente se mostrado como evento determinante para a “virada de chave” final da “transformação digital” do INSS, na medida em que a supressão do atendimento presencial direcionou as forças técnicas para a maturação dos sistemas virtuais e toda a mão de obra para análise dos requerimentos, que tiveram uma alteração de status em 55% do número represado.

Os casos de coronavírus no Brasil, e em Rondônia, ainda se constatam preocupantes, mas, após quatro meses de suspensão total do atendimento presencial e o impacto dos pontos positivos de tal medida, a autarquia já embala no estudo de plano de ampliação digital ainda mais audacioso.

Com 92 dos 100 serviços previdenciários já disponibilizados na modalidade à distância e quase um milhão de acessos diários aos canais remotos, os atuantes governamentais já implantam medidas de otimização da estrutura física do INSS, para que haja uma aglutinação da prestação dos serviços do governo federal, inclusive redirecionando para o teleatendimento do 135 o atendimento de questões de seguro desemprego e do e-social, além de questões previdenciárias.

Em relação aos sistemas e portais virtuais, os competentes técnicos já se dedicam à implantação dos conceitos de mobile first (sistemas destinados inicialmente aos dispositivos móveis) e design thinking (metodologia voltada ao pensamento criativo), para que o cidadão, advogado e demais atuantes da seara previdenciária trafeguem pelos sistemas de forma linear e intuitiva, inclusive com a já implantada unificação da senha do cidadão “.gov”, que agora dá acesso a diversos serviços e programas sociais.

Certo é que apesar de todos os percalços, o resultado de toda a implantação do projeto “INSS Digital: uma nova forma de atender” apresenta saldo positivo, pelo que ganha ainda mais força a ideia de se transferir os pontos exclusivos de protocolo de requerimentos previdenciários das agências da previdência social para as mais variadas entidades públicas e privadas, mediante convênio e Acordo de Cooperação Técnica (ACT), conforme previsão do art. 38-A e 117, da Lei n. 8.213/91, regulamentado pela Portaria Conjunta n. 3/DIRAT/DIRBEN/INSS, de 8 de dezembro de 2017.

Inclusive, tratativas vêm sendo desenvolvidas pelo INSS e pela Ordem dos Advogados do Brasil com vistas a convênio em que a OAB disponibilizaria estrutura e o INSS disponibilizaria servidor exclusivo para atendimento à advocacia. Nada acertado concretamente; todavia, tal abertura de diálogo é um marco de novas posturas institucionais, que até então se viam em lados inamistosos e agora estão cada vez mais unindo forças em prol do bem maior: a garantia dos direitos do cidadão.

E ante todos esses impactos, é verdadeiro que a advocacia ganha ainda mais visibilidade; na medida em que além de ser figura basilar e de extrema importância na ligação entre o cidadão e os requerimentos à previdência social brasileira, agora passa a ter papel fundamental entre as entidades públicas e privadas e o INSS, para fins de celebração e manutenção de convênios e ACT.

Tendo em vista que as normas que regulam os convênios e ACT estabelecem rigorosamente que não pode haver cobranças, condicionantes ou exigências financeiras do cidadão, e ainda condiciona a autenticação, por advogado, dos arquivos originais apresentados pelo cidadão a serem juntados no sistema, estamos diante de novo nicho de advocacia previdenciária, a de classe.

E como peculiar nicho, implica em preparação do profissional quanto às normas correlatas e habilidades negociais. Isso ao tempo em que avoca à OAB o acompanhamento próximo de referidas atuações, para que não haja desvirtuamento da advocacia previdenciária de classe para um centro de captação de clientela.

Assim, apesar da montanha russa de perspectivas, estima-se que os tempos sombrios de pandemia se convertam à consolidação de um procedimento administrativo tecnológico que forneça ao cidadão, à advocacia e aos demais atores da seara previdenciária maior eficiência e comodidade, de forma que possamos nos valer do atendimento presencial apenas em ínfimos casos singulares e ainda, quando tal, com muito mais postos de convênio e ACT próximos à população urbana e rural.

Conclui-se, portanto, que a evolução tecnológica que se avizinha aos serviços intrínsecos da Previdência, apesar de alcançada de forma abrupta face à existência de uma situação pandêmica, certamente será um caminho sem volta para entrega dos trabalhos à população, visto que agrega inteligência tecnológica para proporcionar mais comodidade ao cidadão e com isso se pode tirar um resultado positivo do quadro instalado. O avanço tecnológico junto ao INSS é um aliado muito bem-vindo, o qual ficamos felizes de chamar: novo normal.

Referências

3ª reunião virtual do Fórum Interinstitucional Previdenciário Regional. Apresentação CEAB/DJ 1º semestre 2020-COJEF. Disponível em: www.jfpr.jus.br/avisos/reuniao-virtual-forum-interinstitucional-2/. Para baixar a apresentação: https://bit.ly/ceabdj-cojef-apresentacao. Acesso em: 2 ago. 2020.

3ª reunião virtual do Fórum Interinstitucional Previdenciário Regional. Apresentação DIRAT-INSS. Disponível em: www.jfpr.jus.br/avisos/reuniao-virtual-forum-interinstitucional-2/. Para baixar a apresentação: https://bit.ly/dirat-inss-apresentacao. Acesso em: 2 ago. 2020.

ESA LIVE – O presente e o futuro das plataformas digitais no INSS. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=nIMdGGowjac&t=12s. Acesso em: 2 ago. 2020.

Um em cada 4 brasileiros não tem acesso à internet, mostra pesquisa. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/um-em-cada-quatro-brasileiros-nao-tem-acesso-internet.Acesso em: 2 ago. 2020.

Sobre a autora

Lélia de Oliveira Ribeiro Gomes Neta

Advogada formada pela União das Escolas Superiores de Rondônia (Uniron) em 2009. Tem pós-graduação pelo Instituto Nacional de Formação Continuada (Infoc). É Presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB-RO.

Deixe um comentário