A contribuição de melhoria como mecanismo de financiamento de obras públicas para construção de calçadas no município de Porto Velho

INTRODUÇÃO

Em um cenário em que os entes federativos brasileiros se veem com cada vez menos capacidade econômica para investimentos e o contribuinte, por sua vez, grandemente onerado por uma carga tributária pesada cuja arrecadação não resulta em benefícios coletivos proporcionais, a Contribuição de Melhoria se apresenta como mecanismo tributário oportuno, especialmente em nível municipal, para permitir a realização de obras públicas de caráter local através do custeio direto daqueles que terão sua propriedade privada direta ou indiretamente beneficiada pela valorização imobiliária dali decorrente.

O presente trabalho tem como tema a investigação quanto à possibilidade jurídica de implementação da Contribuição de Melhoria, tributo dos mais justos e equânimes previstos na legislação pátria mas pouco utilizado no Brasil, com a finalidade de financiar obras públicas para a padronização de calçadas na cidade de Porto Velho, capital brasileira cuja mobilidade urbana de pedestres apresenta situação precária.

Para tanto, tomou-se como ponto de partida a investigação dos antecedentes históricos e do conceito legal do modelo brasileiro de Contribuição de Melhoria, passando pela análise dos possíveis motivos para sua pouca utilização pelos administradores públicos pátrios na atualidade e pelo estudo de casos das experiências de municípios brasileiros com a utilização da contribuição de melhoria como mecanismo de custeio de obras públicas para a construção de passeios públicos, até chegar-se ao exame da realidade do município de Porto Velho em relação aos possíveis obstáculos legais que a sua legislação municipal atualmente vigente pode representar para a aplicação da Contribuição de Melhoria com o fim de financiar a construção de calçadas em seu perímetro urbano.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura sobre a temática e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: Santos (2017), Souza (2015), Pereira (2012), Bezerra (2012) e Saraiva, et al (1999).

ANTECEDENTES HISTÓRICOS E ASPECTOS LEGAIS DO MODELO BRASILEIRO DE CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA

Os primeiros registros históricos da utilização pelo Estado de tributo sobre a mais-valia imobiliária decorrente de obras públicas datam do século XIII. Na Inglaterra, conforme escólio de Saraiva e outros (1999), o tributo, ali denominado betterment tax, decorreu da busca por uma forma de “custear os grandes empreendimentos do Estado, ao mesmo tempo em que esse constatava um benefício especial, para alguns imóveis, em relação aos outros, advindos da realização de tais obras” (Saraiva, et al., 1999, p. 252).

No Brasil, segundo Pereira (2012, p. 208-209), a origem da Contribuição de Melhoria remonta às Ordenações Filipinas, conjunto de leis promulgadas em 1603 por Filipe I, rei de Portugal, através da qual foi instituído o sistema de fintas, tributo cobrado pela Coroa Portuguesa em suas colônias e províncias para o custeio de determinadas obras e benfeitorias públicas, como calçadas, fontes, vias públicas, chafarizes e pontes.

A institucionalização da Contribuição de Melhoria como tributo constitucionalmente previsto adveio nos termos do art. 124 da Carta Magna de 1934, que assim a delineava: “Art. 124 – Provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a administração que as tiver efetuado poderá cobrar dos beneficiados Contribuição de Melhoria” (Brasil, 1934).

Os dois maiores marcos legais para a Contribuição de Melhoria, no entanto, foram editados na década de 1960, quando foram promulgados o Código Tributário Nacional, prevendo definitivamente a Contribuição de Melhoria como espécie tributária autônoma, e o Decreto-Lei n. 195 de 24 de fevereiro de 1967, que trouxe a regulamentação específica quanto aos procedimentos e formalidades a serem observados para sua instituição e lançamento.

O Código Tributário Nacional – CTN (Lei n. 5.172/1966), em seu art. 81, define a Contribuição de Melhoria como:

Art. 81 – A Contribuição de Melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado (Brasil, 1966).

Vê-se que a Contribuição de Melhoria nos termos do referido diploma possui duas balizas definidoras fundamentais, que, segundo Pereira (2012), tornam o modelo pátrio do referido tributo sui generis, especificamente brasileiro: “A Contribuição de Melhoria no Brasil adota sistema misto de cobrança, que considera o critério da valorização, mas estabelece como limite máximo de cobrança o custo da obra” (Pereira, 2012, p. 210).

Isto é, para que a Administração Pública possa instituir uma Contribuição de Melhoria, é imprescindível que a obra pública a ser custeada de fato proporcione valorização imobiliária direta ou indireta aos contribuintes destinatários, sendo certo que o quantum da contribuição deverá ser limitado, em aspecto global, ao custo total das obras, computadas as despesas de estudos, projetos, fiscalização e afins (conforme previsto nos termos do art. 4º do Decreto-Lei n. 195/1967), e, em âmbito individual, ao efetivo acréscimo de valor (mais-valia) ao imóvel do contribuinte resultante da obra pública.

Após os sobreditos marcos legais, a Carta Magna de 1988 trouxe sucinta menção à Contribuição de Melhoria em seu art. 145, III, somente permitindo sua cobrança, considerando que as particularidades e procedimentos já restavam regulamentados.

Finalmente, cabe mencionar, em nível legal federal, a importante previsão trazida pela Lei Federal n. 10.257/2007, popularmente conhecida como Estatuto das Cidades (Brasil, 2001), que, ao dispor em seu art. 4º sobre os instrumentos da política urbana nacional, previu a figura da Contribuição de Melhoria como um dos institutos tributários e financeiros a serem utilizados.

Assim sendo, infere-se que no ordenamento legal brasileiro a Contribuição de Melhoria é a espécie tributária prevista para que as pessoas políticas de direito constitucional interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) possam recuperar os custos de obra pública que gere valorização imobiliária em propriedade particular, repassando tais custos ao particular beneficiado pela valorização.

De acordo com Saraiva, et al (1999), a figura da Contribuição de Melhoria é a mais justa entre as espécies de tributos legalmente estabelecidas, posto que sua aplicação se justifica por fundamentos econômico-social, político e jurídico, representando importante instrumento de promoção de justiça e moralidade social e fiscal; eis que, através dela, pode-se evitar que obras públicas realizadas com o concurso de toda a coletividade de contribuintes beneficie apenas um pequeno número de privilegiados, corrigindo uma situação que o Estado Moderno não mais admite, à medida em que o particular especialmente beneficiado pelos resultados da obra, mesmo sem sua vontade, deverá indenizar o estado proporcionalmente ao benefício direta ou indiretamente recebido.

A Contribuição de Melhoria é um tributo justo porque não onera qualquer valorização imobiliária, é necessário que a causa real dessa valorização seja obra pública que beneficie imóveis urbanos ou rurais. […] A valorização imobiliária, ou aumento de valor sofrido pelo imóvel em decorrência do benefício trazido pela obra pública é que torna justa e adequada com a moral administrativa a cobrança desse tributo toda vez que esse fato ocorrer. Então, é a valorização imobiliária o motivo moral que o Poder Público tem para exigir do cidadão a Contribuição de Melhoria (o acréscimo de valor absorvido pelo imóvel é a base de cálculo desse tributo) (Saraiva, et al., 199, p. 256-257).

Pela justeza e equanimidade que lhe são essenciais, a Contribuição de Melhoria traduz-se em importante instrumento à disposição do administrador público, sobretudo em nível municipal, à medida em, enquanto competentes para tratar de assuntos de interesse local, deparam-se hoje com complexos problemas decorrentes da concentração demográfica dos grandes centos urbanos, necessitando, pois, de obras que tragam avanços para a qualidade de vida de seus munícipes; contudo, carecem de meios para solucionar tais problemas ante à falta de recursos, que em geral são próprias às urbes brasileiras, sobretudo aos pequenos municípios, cuja arrecadação é parca.

Todavia, não obstante as notórias vantagens e progressos que a efetiva utilização da espécie tributária em comento é capaz de proporcionar e as décadas de sua efetiva previsão e vigência legal, tem sido raros os casos de utilização do referido tributo em nosso país.

A POUCA UTILIZAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA PELOS ADMINISTRADORES PÚBLICOS BRASILEIROS

Segundo Barreto (1998, p. 573), quanto à experiência brasileira com a aplicação da Contribuição de Melhoria, tem-se que:

Para não remontar a pesquisa a períodos anteriores, é possível afirmar que nos últimos cinquenta anos, União e Estado jamais a exigiram. No âmbito municipal, louve-se o esforço de alguns municípios que, carentes de recursos financeiros, não mediram braços visando a superar os entraves para instituição da Contribuição de Melhoria (apud Santos, 2012).

Embora apenas os municípios brasileiros tenham se valido do tributo justo e eficiente, instituindo e cobrando a Contribuição de Melhoria, mesmo em nível de administração pública municipal, no qual, conforme dito anteriormente, virtualmente observa-se maior conveniência para a instituição como mecanismo de arregimentação de receitas para obras públicas, são poucos os casos de seu uso, e raros os casos de seu uso pleno, o que pode-se depreender a partir do reduzido número de jurisprudências referentes à Contribuição de Melhoria, mormente no período posterior à vigência da atual Carta Cidadã (CF88).

Na análise de Saraiva et al. (1999, p. 260-261), em muitos municípios os poderes tributantes optam pelo uso da taxa de pavimentação e calçamento, ante à maior complexidade imposta pela lei à instituição da Contribuição de Melhoria, pela exigência de plena participação dos contribuintes e possibilidade de impugnações destes, bem como pelas dificuldades em delimitar a zona beneficiada pela obra pública e a extensão do benefício (mais-valia imobiliária) correspondente a cada imóvel, direta ou indiretamente beneficiado.

Outrossim, consoante aponta Souza (2012), a pouca utilização da Contribuição de Melhoria tem por consequência o desconhecimento quanto à sua existência e à possibilidade de sua aplicação, tanto pela população em geral quanto pelos próprios administradores públicos municipais.

Ademais, ainda nos casos em que os administradores municipais são conscientes quanto à existência da referida espécie tributária, estes não dispõem de pessoal especializado para o manejo da técnica para a sua arrecadação e a correta consecução do procedimento administrativo para sua instituição, o que representa outro fator de desestímulo para o seu uso.

Entretanto, o maior ponto de convergência identificado nas obras que serviram de referência ao presente artigo, no que tange aos fatores prejudiciais à efetiva utilização da Contribuição de Melhoria é a falta de interesse do administrador público.

Lamentavelmente, a realidade política brasileira é gravemente acometida pela corrupção. O sistema eleitoral vigente traduz-se numa verdadeira corrida pelo poder, onde os candidatos, através de campanhas políticas dispendiosas, financiadas por apoiadores interessados em futuros favorecimentos, mobilizam-se apenas nos períodos próximos às votações e, depois de eleitos, dedicam-se durante todo o seu mandato a “retribuir favores” aos apoiadores de suas campanhas para, assim, garantir sua reeleição e fazer sua “carreira política”.

Em assim sendo, ante ao interesse político em privilegiar e proteger terceiros, não raramente, os gestores políticos priorizam obras públicas que possam trazer valorização e vantagens às suas próprias propriedades ou a de seus parentes, amigos e aliados políticos, não lhes apetecendo, portanto, instituir Contribuição de Melhoria que, embora consista em tributo essencialmente destinado a reforçar o erário público, possa eliminar a vantagem que almejou auferir ou proporcionar aos seus.

Todavia, embora a regra em nosso país, como dito, seja a não utilização da ferramenta tributária em comento pelas municipalidades brasileiras, há louváveis casos em que esta vem sendo aplicada por gestores municipais, inclusive para a finalidade a que se prende o objeto de investigação da presente obra em relação ao município de Porto Velho: a realização de obras públicas para a construção de calçadas.

A EXPERIÊNCIA DE MUNICÍPIOS BRASILEIROS COM A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA COMO MECANISMO DE FINANCIAMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE CALÇADAS

Segundo Bezerra (2012), a figura da calçada foi consagrada pelo legislador pátrio como parte da via pública, independente dos lotes em frente aos quais se instala, figurando como bem público por excelência, conclusão fundamentada pela autora com base nos seguintes aspectos legais:

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu Anexo I, traz o conceito normativo de calçada, definindo-a como “parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins. […] Nesse contexto, vale relembrar que, nos termos do artigo 98 do Código Civil, bens públicos são aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, id est, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além dos respectivos entes integrantes da Administração Indireta (Bezerra, 2012).

Inobstante à natureza jurídica das calçadas como bem público, as legislações municipais pátrias vigentes, em sua maior parte, imputam aos munícipes proprietários de imóveis confinantes das vias públicas a responsabilidade pela sua construção e conservação, o que se observa do município ao qual se atém o presente estudo.

Em Porto Velho, foi editada em 19 de dezembro de 2018 a Lei Complementar n. 748, que prevê em seu artigo 2º que “Os proprietários de imóveis com frente para logradouros públicos pavimentados e dotados de meio-fio e sarjeta serão obrigados a pavimentar, às suas expensas, a calçada em toda(s) a(s) testadas(s) do lote. […]” (Porto Velho, 2018).

Considerando o grande número de municípios brasileiros, examinar detidamente a realidade legislativa de cada um deles seria tarefa impossível, portanto, limitar-se-á a presente análise aos estudos de caso de três municípios, de diferentes estados da federação: Curitiba, no Paraná, Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e Sorocaba, em São Paulo.

Conforme informação oficial veiculada pela Câmara Municipal de Curitiba (2018), houve na capital paranaense projeto de lei para a transferência, dos proprietários de imóveis para a prefeitura, quanto à responsabilidade pela construção de calçadas, para que o Poder Executivo municipal pudesse cobrar pela obra através da Contribuição de Melhoria. Contudo, a referida proposição de lei, protocolada perante a Câmara Municipal curitibana em 8 de agosto de 2018 sob o n. 031.00056.2018, findou por ser arquivada já em 10 de setembro do mesmo ano, conforme informação obtida através de consulta ao Sistema de Proposições Legislativas da referida casa de leis.

Noutro norte, o município de Campo Grande, em 10 de março de 2015, editou a Lei Complementar n. 257 para alterar a redação do artigo 18 do Código de Política Administrativa do referido município (Lei 2.909, de 28/07/1992), nos seguintes termos (Campo Grande, 2015):

Art. 1º O art. 18 da Lei n. 2.909, de 28/07/1992, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 18 – É obrigação da Prefeitura Municipal construir, manter e conservar os passeios públicos, conforme requisitos técnicos estabelecidos na Lei.
[…]
§ 4º – Para cobrir os custos da construção, manutenção e conservação das calçadas, o Poder Executivo deverá cobrar, na forma de Contribuição de Melhoria, as despesas de quem detiver a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel. […]”

Com a edição da mencionada legislação, a municipalidade sul mato-grossense tomou para si a responsabilidade pela construção, manutenção e conservação dos passeios públicos, prevendo, como mecanismo de tributário para financiamento das despesas decorrentes das obras públicas para tal finalidade, justamente a figura da Contribuição de Melhoria.

Por fim, trazemos à ribalta o interessante caso do município de Sorocaba, onde, desde o dia 6 de julho de 1987 vige a Lei Ordinária n. 2.570 (Sorocaba, 1987), que instituiu o Plano Comunitário Municipal de Melhoramentos do referido município, que previu a Contribuição de Melhoria como mecanismo de financiamento para a execução de pavimentação, guias e sarjetas e outros melhoramentos urbanos; contudo, especificamente no que se refere à construção de calçadas, a legislação sorocabana, a exemplo da já comentada realidade da maioria dos municípios pátrios, imputa sua responsabilidade aos proprietários particulares.

No mesmo município, a Lei Ordinária n. 1.602, de 29 de junho de 1970, previa em seu texto original a possibilidade de que os proprietários de imóveis, facultativamente, construíssem as calçadas. Porém, a partir da redação que lhe foi dada por força da Lei Ordinária n. 8757/2009, a responsabilidade dos particulares pela construção de calçadas, antes facultativa, tornou-se obrigatória:

Art. 1º – Todos os proprietários de terrenos edificados ou não, situados em via pública beneficiada com a pavimentação asfáltica, a paralelepípedos ou lajotas, exceto àqueles em construção, ficam obrigados a construir, ou reformar, os respectivos muros e gradis, no alinhamento da rua, e os passeios entre o alinhamento e o meio fio. [Redação dada pela Lei n. 8.757/2009] (Sorocaba, 1970).

Cabe ressaltar que, posteriormente, a referida disposição legal foi novamente alterada, desta vez através da Lei Ordinária n. 10.672, de 16 de dezembro de 2013, por força da qual o art. 1º da sobredita Lei n. 1.602/1970 passou a vigorar com a previsão de que:

“§ 2º. […] a construção do meio fio e das calçadas, quando executada, serão pagas com recursos do orçamento municipal, podendo a Prefeitura se reembolsar dessas despesas através da lei de Contribuição de Melhorias” e, ainda, que “§ 3º. A conservação da via pública, bem como a do meio fio e das calçadas, é responsabilidade da Prefeitura Municipal, utilizando verbas orçamentárias. […]” (Sorocaba, 2013).

Entrentanto, em que pese o notório avanço que a edição da Lei n. 16.672/2013 representou, à medida em prestigiou o interesse público ao repassar à responsbilidade pela construção das caladas à Administração Pública Municipal e, ao mesmo tempo, eleger a Contribuição de Melhoria como mecanismo tributário de financiamento para tanto, sua vigência foi breve, eis que já em 2014, no ano seguinte ao da sua edição, teve sua inconstitucionalidade declarada nos autos da ADIN n. 2035794-63.2014.8.26.000 (São Paulo, TJ. 2014).

Conforme o voto que fundamentou o referido acórdão, em que pese a competência do legislativo municipal para criar normas que correspondam a temas de interesse local, há matérias que são de iniciativa privativa do chefe do Executivo, de sorte que a alteração promovida no Código de Obras da citade de Sorocaba não poderia ter sido realizada por iniciativa da Câmara Municipal, o que teria caracterizado vício de iniciativa e, portanto, resultando na inconstitucionalidade da norma.

ASPECTOS DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL PORTOVELHENSE QUANTO À CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E A POSSIBILIDADE DE SUA INSTITUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DE OBRAS PÚBLICAS PARA A CONSTRUÇÃO DE CALÇADAS

Com uma população aproximada de 529.544 habitantes (IBGE, 2019), o município de Porto Velho é capital do estado de Rondônia, um dos entes federativos criados mais recentemente em nosso país, hoje com pouco menos de quarenta anos de fundação.

Embora seja a capital do terceiro maior estado da Região Norte e a despeito de sua pujança econômica, acima da média nacional, o referido município apresenta sério déficit em diversos fatores relativos à qualidade de vida de sua população, dentre os quais destaca-se a ausência de calçadas e passeios públicos padronizados.

A grande maioria dos imóveis do município apresenta calçadas irregulares, deterioradas, sem acessibilidade, ou sequer dispõem de calçada pavimentada, de forma que os pedestres, que representam a maior parte da população local, não dispõem de estímulo ao deslocamento a pé, saudável, não poluidor, de convivência democrática e humanizadora, o que propiciaria o encontro, o convívio e a sociabilização entre os usuários.

Tal problema se deve em parte à legislação municipal vigente. Consoante já mencionado, a Lei Complementar n. 748, prevê em seu artigo 2º que “Os proprietários de imóveis com frente para logradouros públicos pavimentados e dotados de meio-fio e sarjeta, serão obrigados a pavimentar, às suas expensas, a calçada em toda(s) a(s) testadas(s) do lote” (Porto Velho, 2018), transferindo, assim, aos proprietários de imóveis com frente para logradouros públicos pavimentados e dotados de meio fio e sarjeta a obrigação de pavimentar, às suas expensas, a calçada em toda a testada do lote.

Em que pese que a mesma legislação traga em seu bojo o dever da prefeitura em notificar os proprietários de imóveis que apresentem calçadas em mau estado a repará-las, bem como prescreva, para as construções de calçadas, um padrão de largura, nível, regularidade e acessibilidade, em verdade, o executivo leva a efeito seu dever de fiscalização quanto à existência e condição das calçadas apenas e tão somente reativamente, diante de solicitações de expedição de alvarás para obras e construções particulares, pouco ou nada fazendo em relação aos demais imóveis da cidade, cujos proprietários, seja por desinteresse ou falta de recursos próprios suficientes para desincumbirem-se de sua obrigação legal, quedam-se inertes e deixam de pavimentar as calçadas de seus imóveis, ou o fazem ao seu bel-prazer, sem qualquer observância aos padrões legalmente estabelecidos.

Cabe destacar, todavia, que a legislação municipal de Porto Velho, há décadas, contempla a previsão da Contribuição de Melhoria como mecanismo de financiamento à execução de obras públicas, e, conforme a seu Plano Diretor vigente, elenca a espécie tributária em comento como instrumento tributário para implementação de política urbana de desenvolvimento sustentável.

É o que se infere a partir do teor da Lei Ordinária n. 530, de 26 de novembro de 1985 (Porto Velho, 1985), que, ao dispor sobre as Contribuições de Melhoria, prevê sua aplicabilidade para a execução de obras públicas de urbanização.

No mesmo sentido, a Lei Ordinária n. 729, de 20 de abril de 1988 (Porto Velho, 1988), ao criar o Plano Comunitário de Melhoramentos, estabelece a execução das obras públicas ali abrangidas como fator gerador de benefícios à propriedade imobiliária para efeitos de lançamento e cobrança de Contribuição de Melhoria.

Por fim, destaque-se o fato de que a Lei Complementar n. 311/2008, ao dispor sobre o Plano Diretor do Município de Porto Velho, prevê expressamente a Contribuição de Melhoria como um dos instrumentos tributários à disposição do Poder Público Municipal para a implementação da política urbana de desenvolvimento sustentável.

Vê-se, portanto, que a legislação do município de Porto Velho, embora atualmente impute aos proprietários de imóveis a responsabilidade pela construção das calçadas por força da Lei Complementar n. 748/2018, através de outras leis ornarias e complementares, regulamenta plenamente a Contribuição de Melhoria como um dos mecanismos à disposição de sua administração para o fim de arrecadar recursos para aplicação nos mais diversos tipos de obras públicas para fins de melhoramento urbano.

Nada obstante, não localizou-se registros quanto à efetiva instituição de uso do tributo no âmbito do referido município, seja para os fins específicos previstos nas legislações acima relacionadas, seja para outras obras públicas, o que indica que trata-se, o caso em exame, de mais um dos municípios que seguem a lamentável tendência, já reiteradamente mencionada neste artigo, de desuso e inaplicabilidade deste importante dispositivo de promoção de justiça fiscal e social.

Tal realidade conduz-nos à conclusão de que a municipalidade portovelhense, ante à plena regulamentação legal da Contribuição de Melhoria, tem ao seu pleno alcance uma potencial forma de ampliar sua capacidade econômica para promover melhoramentos urbanos que propiciem melhor qualidade de vida aos seus habitantes e que, portanto, poderia servir também como forma de solucionar o grave problema de ausência de calçadas de qualidade.

Como hipótese de solução ao problema em tela, tem-se pela possibilidade jurídica de uso da Contribuição de Melhoria como instrumento tributário a ser utilizado pela municipalidade portovelhense para que esta tome para si a responsabilidade pela construção de calçadas padronizadas em toda a cidade, executando as obras públicas necessárias para tal fim.

Consoante apresentado, a experiência de outros municípios da Federação demonstra que existe possibilidade jurídica para tanto, bastando, que haja, por parte da administração municipal, vontade política, primeiramente para passar a utilizar de modo efetivo o tributo em apreço para a finalidade que lhe é essencial (a saber, transferir aos proprietários dos imóveis beneficiados pela obra pública da qual decorra valorização de seu imóvel, o ônus financeiro resultante dos investimentos do poder público), e, no caso específico do município de Porto Velho, provocar a alteração do dispositivo legal que atribui aos particulares a responsabilidade pela construção, manutenção e conservação das calçadas (Lei Complementar n. 748/2018), assumindo tal obrigação para si sem, contudo, comprometer seu erário.

CONCLUSÃO

Por tudo ora exposto, concluiu-se que a Contribuição de Melhoria é um tributo originado a partir da necessidade em que se vê o Estado em distribuir, de forma justa, os custos pela realização de obras públicas as quais geram valorização imobiliária entre os proprietários dos imóveis beneficiados, cuja origem no Brasil remonta ao século XVII, ocasião em que instituiu-se o sistema de fintas para o custeio de determinadas benfeitorias públicas. Atualmente a Contribuição de Melhoria é prevista na Carta Cidadã de 1988, em seu artigo 145, inciso III.

Apesar de sua essência justa e legítima, a Contribuição de Melhoria se revela um tributo raramente aplicado pelos entes federativos brasileiros na atualidade, o que se deve a fatores como maior complexidade procedimental para sua instituição em comparação a outras espécies de tributo, ausência de pessoal especializado para manejo da técnica para sua instituição e arrecadação, desconhecimento quanto à sua existência pela população em geral e pelos administradores públicos e, sobretudo, ausência de interesse dos administradores públicos.

A análise das realidades dos municípios de Curitiba, Campo Grande e Sorocaba revela que existem registros de experiências com a utilização da Contribuição de Melhoria como instrumento de arrecadação de recursos para a execução de obras públicas para construção de calçadas. Contudo, a tendência legislativa dos municípios brasileiros em imputar a responsabilidade pela construção de calçadas aos proprietários de imóveis representa fator dificultante que, com frequência, prejudica a efetivação de tal objetivo nos casos de outras municipalidades, como no caso de Sorocaba.

Finalmente, quanto à cidade de Porto Velho, depreendeu-se que o município possui em sua legislação municipal plena regulamentação quanto a figura da Contribuição de Melhoria como mecanismo de financiamento à execução de obras públicas e instrumento tributário para implementação de política urbana de desenvolvimento sustentável. Entretanto, para seu emprego com a finalidade de financiar obras públicas de construção de calçadas, faz-se necessária vontade política para prévia alteração de dispositivo legal vigente que atribui aos particulares a responsabilidade pelas calçadas (Lei Complementar n. 748/2018), o que, em ocorrendo, permitirá à municipalidade portovelhense assumir tal obrigação para si, promovendo melhoramentos urbanos que propiciem melhor qualidade de vida aos seus habitantes, sem, contudo, comprometer o erário público.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor

Rômulo Brandão Pacífico

Advogado associado no escritório Morais Navarro Advocacia (Porto Velho/RO). Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia (FARO). Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Cursando L. L. M. em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas.