Sucumbência nas ações em que a Fazenda Pública for parte: os critérios diferenciados também se aplicam quando o particular é vencido

Os honorários de sucumbência fixados contra a Fazenda Pública sempre foram objeto de grande controvérsia no mundo jurídico.

Por que os Poderes Legislativo e Judiciário protegem a Fazenda Pública com honorários sempre abaixo daqueles que são fixados para a sucumbência enfrentada pelas pessoas físicas e jurídicas de direito privado?

Depois de ampla pesquisa, não consegui encontrar um fundamento convincente.

Alguns privilégios sempre colocaram a Fazenda Pública em desigualdade com a outra parte litigante nos processos judiciais: a) prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais (art. 183 do CPC); b) intimação pessoal mediante carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º do CPC); c) reexame necessário (art. 496 do CPC); pagamento mediante precatório, um famigerado instituto que só existe no Brasil (art. 910 § 1º do CPC e art. 100 da CF); entre outros. A doutrina sempre justificou esses privilégios no princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Depois do sistema de precatórios, contudo, pode-se dizer que o privilégio mais injusto e injustificável é o relativo aos honorários de sucumbência.

Para aquele que litiga como pessoa física ou jurídica de direito privado, os honorários de sucumbência são fixados em, no mínimo, dez por cento sobre o valor da condenação ou proveito econômico:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: (…)

Pouco importa o valor da condenação, o quanto os honorários possam vir a se tornar vultuosos, a parte terá que arcar com os honorários entre dez e vinte por cento.

E então, o Código de Processo Civil de 2015 apresenta outro privilégio:  nas causas em que a Fazenda Pública for parte, essa regra muda drasticamente:

Dispõe o § 3º do art. 85 do CPC:

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.

Explicando como funciona essa sistemática, o artigo publicado por Flávia Castanha1 esclarece:

9. Assim, caso o valor da condenação, o proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa esteja compreendido nos limites do inciso I, ou seja, até 200 (duzentos) salários mínimos, os honorários serão arbitrados entre 10 e 20 por cento.

10. No entanto, caso este valor seja de 201 (duzentos e um) salários mínimos, será aplicável o inciso II. Nesta hipótese, atendida a regressividade estabelecida no § 3º, do art. 85, o advogado titular dos honorários de sucumbência terá direito, no mínimo, a 10% de 200 (duzentos) salários mínimos, acrescidos de, no mínimo, 8% de 1 (um) salário mínimo.

11. Se, para este caso, os honorários forem arbitrados nos percentuais máximos, o advogado será titular de 20% sobre 200 (duzentos) salários mínimos mais 10% sobre 1 (um) salário mínimo.

12. Se, por exemplo, a Fazendo Pública for condenada em 20.000 (vinte mil) salários mínimos, o advogado titular dos honorários de sucumbência terá direito, no mínimo, a 10% sobre 200 (duzentos) salários mínimos, mais 8% sobre 1.800 (mil e oitocentos) salários mínimos, mais 5% sobre 18.000 (dezoito mil) salários mínimos.

13. Se, para este caso, os honorários forem fixados no percentual máximo, o advogado terá 20% sobre 200 (duzentos) salários mínimos, mais 10% sobre 1.800 (mil e oitocentos) salários mínimos, mais 8% sobre 18.000 (dezoito mil) salários mínimos.

14. Agora imagine que a Fazenda Pública seja condenada em 90.000 (noventa mil) salários mínimos. Neste caso, os honorários de sucumbência serão calculados da seguinte forma: No mínimo, o advogado receberá 10% sobre 200 (duzentos) salários, mais 8% sobre 1.800 (mil e oitocentos) salários, mais 5% sobre 18.000 (dezoito mil) salários, mais 3% sobre 70.000 (setenta mil) salários mínimos.

15. Ainda com base na condenação de 90.000 (noventa mil) salários mínimos, o advogado, no máximo, receberá 20% sobre 200 (duzentos) salários, mais 10% sobre 1.800 (mil e oitocentos) salários, mais 8% sobre 18.000 (dezoito mil) salários, mais 5% sobre 70.000 (setenta mil) salários mínimos.

16. Aproveitando o exemplo de Alexandre Freitas Câmara para a hipótese seguinte: “Imagine-se, então, que a Fazenda Pública tenha sido condenada a pagar ao vencedor o equivalente a duzentos mil salários mínimos. Neste caso o valor mínimo de honorários seria calculado da seguinte forma: 10% de 200 salários mínimos + 8% de 1.800 salários mínimos + 5% de 18.000 salários mínimos + 3% de 80.000 salários mínimos + 1% de 100.000 salários mínimos. Significa isto dizer que o advogado receberia (de acordo com as faixas sucessivas) 20 + 144 + 900 + 2.400 + 1.000 salários mínimos, ou seja, 4.464 salários mínimos. Nesta mesma hipótese, o valor máximo de honorários seria de 8.660 salários mínimos (40 + 180 + 1.440 + 4.000 + 3.000)”.

Os critérios são desiguais em relação àqueles processos nos quais ambas as partes litigam sem a presença da Fazenda Pública. Isso porque, aproveitando o mesmo exemplo, numa condenação equivalente a duzentos mil salários-mínimos, o valor máximo que a sucumbência poderá atingir será de 8.660 salários mínimos se presente a Fazenda Pública. Entretanto, se não há a presença de ente público, o valor máximo (20%) equivalerá a 40 mil salários-mínimos.

Em nosso livro Honorários Advocatícios (LTr, 2019), em crítica a tais critérios, evidenciamos:

Nada justifica esse tratamento privilegiado conferido à Fazenda Pública, já que não se pode crer que esta tenha mais dificuldade de pagar honorários de sucumbência do que os particulares, nem se pode crer que o advogado que litiga contra a Fazenda Pública seja menos merecedor de honorários. As regras diferenciadas nasceram com o único propósito de evitar que o advogado ‘ganhe muito’, nas causas de expressivo valor econômico contra a Fazenda Pública (embora seja considerado legítimo ‘ganhar muito’ se o devedor for particular) (p. 46/47).

De toda forma, embora injusto, o critério está previsto no Código de Processo Civil e é preciso que a Advocacia que litiga contra a Fazenda Pública esteja atenta a uma circunstância: esses critérios também se aplicam se o litigante particular sai vencido na demanda.

Assim se, por exemplo, o particular ingressa com uma ação contra a Fazenda Pública e esta é julgada improcedente, o magistrado não pode aplicar em favor da Fazenda os critérios gerais fixados no art. 85, § 2º (10 a 20% sobre o valor da causa atualizado), mas sim, deve aplicar os mesmos critérios que teria que se utilizar caso a Fazenda saísse vencida, quais sejam, as faixas previstas no § 3º do mesmo dispositivo.

Isso porque os critérios ali estabelecidos aplicam-se genericamente “nas causas em que a Fazenda Pública for parte”, e não somente nas causas em que essa é vencida.

Além da norma ser genérica em exigir apenas que a Fazenda seja parte na demanda, é certo que entre os princípios gerais que norteiam o processo civil, previstos no Capítulo I (Das normas fundamentais do processo civil), o art. 7º dispõe:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

   Trata-se do princípio da igualdade processual, que também é repetido no art. 139:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento (…)

O princípio da igualdade processual é um subprincípio derivado do art. 5º da Constituição (todos são iguais perante a lei) e do seu próprio preâmbulo (… destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna…).

Assim, se seu cliente sair vencido em uma ação contra a Fazenda Pública, exija através de todos os meios e recursos inerentes ao processo civil, que a fixação dos honorários de sucumbência atenda aos mesmos requisitos diferenciados previstos no § 3º do art. 85 do Código de Processo Civil, conforme as faixas ali previstas, não só pelo fato de que esse dispositivo aplica-se às “causas em que a  Fazenda Pública for parte (pouco importando se vencida ou vencedora), como também por aplicação da igualdade processual que é um dos princípios fundamentais que norteiam o processo civil (art. 7º).

Nota

1. Os Honorários de Sucumbência no CPC/15 e a Fazenda Pública. Disponível em: <https://flaviacastanha.jusbrasil.com.br/artigos/400471466/os-honorarios-de-sucumbencia-no-cpc-15-e-a-fazenda-publica>.

Zênia Cernov

Advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros Greve de Servidores Públicos (LTr, 2011), Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados (LTr, 2016) e Honorários Advocatícios (LTr, 2019). Membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes. Coordenadora da Revista da Advocacia de Rondônia.

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