Tabela de Honorários da OAB e defensor dativo: os verdadeiros efeitos da decisão do STJ proferida no REsp 1.656.322

Ao julgar o Recurso Especial n. 1.656.322/SC, em sede de afetação ao Tema Repetitivo n. 984, o Superior Tribunal de Justiça deixou a Advocacia inquieta e surpresa ao definir que “As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado” (REsp 1656322/SC, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção, publ. DJe 04/11/2019).

A inquietação em relação a tal julgado não é sem razão: estaria a Advocacia obrigada a atuar como dativa mediante remuneração inferior à estabelecida na Tabela da OAB? A resposta é definitivamente não. E explico o porquê em duas abordagens: a) O STJ autorizou a fixar valores inferiores aos previstos nas Tabelas da OAB como exceção, não como regra; b) O Estatuto da OAB não obriga a Advocacia a aceitar o encargo mediante pagamento de valores irrisórios.

Analisando a primeira afirmativa, é necessário ir além da Ementa do julgado e entender que o Superior Tribunal de Justiça se encontrava diante de uma situação específica, na qual o argumento principal era o de que o valor da Tabela de Honorários da OAB Seccional Santa Catarina se encontraria desproporcional com os valores praticados por outras seccionais e com a remuneração dos Defensores Públicos daquele Estado.

Vale transcrever o conteúdo de parte do voto do relator em que essa circunstância está evidenciada:

Por mais que a OAB–SC defenda que os honorários estabelecidos em sua tabela estariam dentro da média de valores praticados em todo o país, fato é que não há uniformidade nos critérios para a produção das tabelas fornecidas pelas diversas entidades representativas dos estados, o que acaba resultando em indicação de valores díspares entre elas. Ou seja, para a prática de um mesmo ato processual específico, o valor a ser pago sofre considerável diferença entre as unidades da federação. Exemplificativamente, para a defesa do réu em plenário do Tribunal do Júri, a tabela de honorários do Estado de Santa Catarina, já atualizada, prevê o valor de R$ 25.500,00 (Disponível em: www.oab-bnu.org.br/attachments/article/52/TABELA%20DE%20HONOR%C3%81RIOS.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019). Em Goiás, o mesmo procedimento, segundo a tabela OAB-GO 2018, varia de R$ 8.474,60, em caso de réu solto, a R$ 12.106,20, quando preso (Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2019). Observe-se, nessa simples comparação, que a variação de valores entre as tabelas apontadas como exemplo chega a mais de 100%. Se levássemos em conta todas as tabelas, de todos os estados, esses valores poderiam variar ainda mais, como, por exemplo, na Paraíba, onde a tabela da OAB-PB prevê, para esse mesmo procedimento, o valor mínimo de R$ 6.000,00 (Disponível em: https://portal.oabpb.org.br/wp-content/uploads/2019/12/d1baf5fcd020180219055343-1.pdf. Acesso em: 27 ago. 2018). Vale exemplificar, ainda, a quantia devida ao defensor dativo em decorrência de uma única impetração de habeas corpus perante plantão, para o que em Santa Catarina é previsto o valor de R$ 11.000,00 (Disponível em: www.oabbnu.org.br/attachments/article/52/TABELA%20DE%20HONOR%C3%81RIOS.pdf. Acesso em: 21 jan. 2019). Já no Estado do Amapá, para esse mesmo serviço, a tabela produzida pela Seccional indica o valor de R$ 5.000,00 (Disponível em: www.oabap.org.br/tabela-de-honorarios-oab. Acesso em: 30 out. 2018). O que mais chama a atenção é que, se confrontarmos tais valores com a remuneração mensal de um Defensor Público do Estado de Santa Catarina – que era de R$ 10.500,00 até o ano passado e, neste ano, ao que tudo indica, gira em torno de R$ 17.000,00 –, é possível se chegar a duas constatações: 1ª) é nítida a fragilidade da capacidade econômica desse ente federativo em relação aos demais estados, porquanto tal remuneração é uma das mais baixas entre as entidades congêneres e 2ª) a remuneração de um mês de serviços prestados pelo Defensor Público é suplantada pelo valor cobrado por uma única defesa em plenário do advogado dativo, o que, a meu juízo, não apenas avilta a função – absolutamente similar quanto ao serviço prestado – do defensor público, como contradiz o princípio da razoabilidade e da economicidade, notadamente porque envolve despesa pública suportada por entes federados.

Foi essa desproporcionalidade que justificou o entendimento de que – em sede de exceção – poderiam ser aplicados valores inferiores aos previstos da Tabela da OAB:

De todo relevante, impende salientar, o trabalho do advogado criminalista, que, se bem executado, reclama dedicação intensa e esforços direcionados à pesquisa e estudo do caso concreto, assessoramento ao cliente, deslocamentos ao fórum e a outros locais, além de dispêndio de tempo para audiências, preparação e redação de petições etc. Tudo isso justifica, por evidente, uma remuneração digna, compatível com tal labor. Tal circunstância, porém, não pode ser traduzida como argumento ou justificativa para que se imponha, ao poder público, a observância rígida das tabelas de honorários produzidas unilateralmente pelas seccionais – sem participação, portanto, do Poder Público ou da sociedade civil –, nas quais se definam valores notoriamente incompatíveis para a realidade de nosso país e exorbitantes para o Erário.

Sem adentrar no mérito de serem razoáveis ou não os valores praticados pela Seccional Santa Catarina, certo é que ficou nítido que a suposta desproporcionalidade foi que motivou a conclusão de que, naquela hipótese, ou em hipótese análoga, os valores fixados poderiam ser inferiores aos da Tabela da OAB. Somente nessa hipótese, no entanto.

Tal conclusão é reforçada pelo próprio conteúdo da Ementa, quando se atenta para as teses que foram fixadas:

Proposta a fixação das seguintes teses: 1ª) As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado; 2ª) Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados, poderá, motivadamente, arbitrar outro valor (…).

A ordem é clara: as Tabelas da OAB servem, sim, como referencial (regra) mas o juiz pode praticar outro valor desde que, motivadamente, considerar o valor da Tabela desproporcional em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos praticados (exceção). Resta que, pela regra ou pela exceção, o valor deve ser “justo e que reflita o labor despendido pelo advogado”.

O mesmo Acórdão criou ainda, outras exceções: serão vinculativas as tabelas produzidas mediante acordo entre o Poder Público, a Defensoria Pública e a Seccional da OAB; possui caráter vinculante a tabela de honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal.

Ocorre que – salvo a hipótese na qual a tabela foi elaborada com a participação da Seccional da OAB, ou por ela formalmente ratificada – é importante ter em mente que os integrantes da Advocacia não estão obrigados a sujeitarem-se a aceitar o encargo mediante os valores fixados unilateralmente pelo Poder Judiciário ou pelo ente público.

Um dos fundamentos do Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça foi o caráter unilateral das Tabelas da OAB. Transcrevo, do voto condutor:

Tal circunstância, porém, não pode ser traduzida como argumento ou justificativa para que se imponha, ao poder público, a observância rígida das tabelas de honorários produzidas unilateralmente pelas seccionais – sem participação, portanto, do Poder Público ou da sociedade civil –, nas quais se definam valores notoriamente incompatíveis para a realidade de nosso país e exorbitantes para o Erário.

A recíproca é verdadeira, pois também não se pode impor à Advocacia a observância rígida das tabelas de honorários produzidas unilateralmente pelo Poder Judiciário ou pelo poder público – sem participação, portanto, da OAB –, nas quais se definam valores notoriamente incompatíveis com a valorização dos relevantes serviços prestados pelos Advogados.

Destarte, o art. 34, inciso XII do Estatuto da OAB define como infração disciplinar “recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública”, o que deve ser interpretado com aplicação conjunta, também, do art. 2º, parágrafo único, inciso VIII, alínea “f” do Código de Ética e Disciplina, que determina que o advogado deve abster-se de contratar honorários advocatícios em valores aviltantes, e ainda com o art. 48 § 6º do mesmo Código, que dispõe que “Deverá o advogado observar o valor mínimo da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional onde for realizado o serviço, inclusive aquele referente às diligências, sob pena de caracterizar-se aviltamento de honorários”. Destarte, na hipótese em que o Poder Judiciário ou o poder público fixarem, sem participação da Seccional, tabelas de honorários que sejam aviltantes, caracterizado está o justo motivo para a recusa à nomeação, pois, mais que um direito, é um dever do Advogado valorizar sua própria profissão.

Não menos importante é o fato de que a Constituição Federal impõe ao poder público – e não à Advocacia – o dever de prestar assistência jurídica aos necessitados.

De fato, determina o art. 5º, inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, e para cumprir essa finalidade, criou as Defensorias Públicas no art. 134. A atividade do defensor dativo deve ser, necessariamente, subsidiária, e se o Estado não estiver aparelhando a Defensoria com estrutura, equipamentos e número de Defensores compatível com a demanda, não pode impor à Advocacia privada que substitua sua própria omissão – pelo menos não a preço vil. Porque, se assim a Advocacia e a OAB aceitarem, cada vez menos o Estado sentirá necessidade de investir na Defensoria Pública. Sairá mais econômico remunerar a Advocacia privada segundo tabelas unilateralmente estabelecidas a preço vil. Um incentivo à violação ao princípio da eficiência que não pode ser aceito, sequer pela OAB, sequer pela Justiça.

Postas essas premissas, espera-se que a Ordem dos Advogados do Brasil e o Poder Judiciário consigam encontrar um ponto de equilíbrio para esses interesses, e é certo que a opção contida no v. Acórdão aqui analisado, no ponto em que afirma que “serão vinculativas as Tabelas produzidas mediante acordo entre o Poder Público, a Defensoria Pública e a Seccional da OAB” certamente se mostra o caminho que, além de ser o mais justo, é o que menos acarretará controvérsias, pacificando a questão dos atos praticados na condição de dativo.

Sobre a autora

Zênia Cernov

Advogada nas áreas trabalhista e administrativa. Autora dos livros Greve de Servidores Públicos (LTr, 2011), Estatuto da OAB, Regulamento Geral e Código de Ética interpretados (LTr, 2016) e Honorários Advocatícios (LTr, 2019). Membro da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes. Coordenadora da Revista da Advocacia de Rondônia.

Deixe um comentário