Os efeitos da pandemia da Covid-19 nos Contratos de Trabalho à luz das MP 927/20 e 936/2020

1 Introdução

Trataremos neste estudo de ponderar os efeitos da pandemia da Covid-19 nos contratos de trabalho, à luz das MP 927/20 e 936/2020, o que nos propomos a fazer mediante uma análise sucinta dos pontos que reputamos mais relevantes de ambas as medidas no que se refere ao impacto nas relações empresarial/ laboral, seus traços comuns e distintivos.

Incontroverso que a pandemia da Covid-19 é um fato imprevisível, seja em relação às suas consequências ou sua existência. Não se imaginava uma pandemia com as atuais proporções, principalmente no ponto de vista das expectativas sociais e com tamanho impacto nas dimensões econômicas e políticas.

Nesse contexto, os efeitos da Pandemia são diversos e amplos nas relações de trabalho sobre vários aspectos, entretanto, dimensionaremos sua repercussão a luz das Medidas Provisórias 927 e 936 de 2020, destacando pontos que reputamos como relevantes, bem como, as alternativas que o sistema jurídico brasileiro possui para dirimir os problemas e possíveis modificações pontuais.

2 Medidas provisórias n.927/2020 e 936/2020

Foi publicada em 22 de março de 2020 a Medida Provisória n. 927/2020, com a proposta de regulamentar flexibilização das normas trabalhistas diante da pandemia do novo corona vírus e, tentar evitar a extinção de postos de trabalhos e de empresas, pontuando diretrizes que poderão ser adotadas pelos empregadores visando a preservação do emprego e manutenção de renda durante o enfrentamento.

Dispôs a referida MP que nesse período empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, importante mencionar que esse acordo individual se sobrepõe os demais instrumentos normativos, legais e negociais respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal, conforme se extrai do artigo 2º da MP 927/202:

Art. 2º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Redação essa, que a princípio colide com o artigo 611-A da CLT, que prevê exatamente o oposto, isto é, a primazia das normas coletivas (acordos coletivos e convenções coletivas) sobre a lei:
Art. 611-A. Da convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre […] Diante do conflito de normas heterogêneas em se tratando de normas de mesma hierarquia, a hermenêutica clássica nos ensina que a resolução do conflito seria pela regra: a posterior revoga a anterior quando tratar da mesma matéria de forma diversa. Desta forma a MP 927/2020 prevalece, temporariamente, enquanto estivermos vivenciando o estado de calamidade pública, sobre o artigo 611-A da CLT, revogando os dispositivos das normas coletivas que contrariarem o ajuste escrito formulado entre as partes, sendo que o princípio da prevalência da saúde pública sobre o interesse individual, princípio da prevalência do coletivo sobre o particular, da solidariedade, da preservação e função social da empresa, subprincípio da função social da propriedade (art. 170 da CF) se coadunam ao entendimento e de forma objetiva e sintética a MP autoriza medidas bilaterais (ajuste direto entre patrão e empregado, desde que escrito) e medidas unilaterais, determinadas pelo patrão. De acordo com a MP 927 poderão ser tomadas as seguintes medidas 1. Teletrabalho conhecido como home office; 2. Antecipação das férias individuais e concessão de férias coletivas; 3. Aproveitamento e da antecipação de feriados; 4. Banco de Horas; 5. Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; 6. Direcionamento do trabalhador para qualificação; 7. Diferimento do recolhimento do fundo de garantia do tempo de serviço e outras disposições em matéria trabalhista (jornada, prorrogações convenções coletivas, atuação dos auditores fiscais maneira orientadora, exceto algumas irregularidades). No tocante a atuação dos auditores fiscais, o Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmente na ADI n. 6375, medida liminar para suspender a eficácia do artigo 31 da Medida Provisória 927/2020, que limitava a atuação desses profissionais apenas à orientação, a não ser em situação de falta de registro de empregado, a partir de denúncias; situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil. Merece destaque dentre os pontos relevantes, a possibilidade da extinção do contrato de trabalho no caso de a atividade econômica não resistir aos graves impactos da paralisação imposta pelo Governo ou pelas consequências do isolamento ou afastamento social. O empregador poderá romper o contrato de trabalho dos empregados, sem justa causa, pagando as respectivas verbas da rescisão, salvo aviso prévio. A indenização adicional do FGTS cai para 20%, na forma dos artigos 486 e 501 da CLT.

É de conhecimento que a extinção do contrato pode ocorrem em virtude de factum principis (paralisação temporária ou definitiva do trabalho em razão de ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade), que é uma subespécie de força maior. No caso de factum principis, há controvérsia em relação ao montante devido e em se fixar quais são estas parcelas, pois a lei se refere à “indenização”, tendo diversas vertentes em doutrina sobre a questão no qual não temos a pretensão de exaurir e nem entrar no mérito.

Merece destaque dentre os pontos relevantes, a possibilidade da extinção do contrato de trabalho no caso de a atividade econômica não resistir aos graves impactos da paralisação imposta pelo Governo ou pelas consequências do isolamento ou afastamento social. O Governo Federal publicou em 1º de abril a MP n. 963 instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Ficaram estabelecidas, na ocasião, medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus.

Essa medida provisória trouxe a suspensão do contrato de trabalho de uma forma mais acessível aos empregados e factível as empresas, após toda a polêmica com o artigo 18 da MP 927, que previa a suspensão do contrato para participação em cursos ou programa de qualificação, fazendo jus o empregado a ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual, que seria concedido de forma voluntária pelo empregador, e não integraria o contrato de trabalho.

Pelas regras previstas nessa medida provisória as empresas podem negociar com os empregados a suspensão dos contratos por até 60 dias ou a redução da jornada por até 90 dias, consoante os requisitos previstos na norma. É possível combinar a redução da jornada com a suspensão do contrato, desde que a duração máxima total seja de 90 dias. Importantes alterações foram inseridas na MP 936/2020, entre elas a possibilidade de prorrogação da suspensão dos contratos de trabalho por mais 60 dias; e a proibição das empresas cobrarem dos estados, municípios ou da União as despesas provenientes das rescisões trabalhistas, afastando a aplicabilidade do art. 486 da CLT.

Ocorre que acordos chegam ao fim e a lei oriunda da medida provisória 936/2020 que autoriza a prorrogar o tempo de suspensão de contrato, redução de jornada e salário, atualmente restrito a 60 e 90 dias respectivamente, está aguardando sanção há uma semana até a presente data (2/7/2020). É o caso, por exemplo, dos empregadores que optaram diretamente pela redução de jornada e salário já no começo de abril, e terão de voltar a pagar integralmente o salário de seus funcionários a partir de julho, pois o prazo máximo de 90 dias acabou prejudicando as novas adesões ao programa já que estão à espera da prorrogação. Segundo os números divulgados pelo Ministério da Economia, 11,7 milhões de trabalhadores já tiveram seus contratos de trabalho suspensos ou a jornada e os salários reduzidos, e 1,3 milhão de empresas aderiram à MP 936.

Apesar de os empresários reclamarem da crise na economia, conforme a mesma fonte acima, o ritmo de houve uma evidente diminuição nos acordos com os trabalhadores, inicialmente, quando a medida entrou em vigor foram 2 milhões de acordos, e até o dia 5 de maio, ao todo, haviam sido firmados 7,6 milhões de acordos, 65% do total, entretanto, em todo o mês de junho, no entanto, foram apenas 1,5 milhão de novos contratos celebrados.

A projeção do governo era que o programa atingiria um total de 24,5 milhões de trabalhadores celetistas, quase 70% de todos os empregados com carteira do setor privado, incluindo aí os domésticos formalizados. Importante, empregador e empregado observarem os prazos estabelecidos na MP 936 quanto às flexibilizações visando evitar prejuízos, principalmente em relação a prorrogação ou não do prazo de suspensão dos contratos de trabalho ou de redução da jornada de trabalho, pois, a sanção da Medida provisória não importará em imediata prorrogação dos seus termos e dependerá de um decreto com essa finalidade.

3 Considerações finais

Inegável que apesar dessas medidas, a pandemia da Covid-19 vai impactar na economia do país e com isso gerar situações desastrosas para empresários, trabalhadores e governo, de forma que é recomendável razoabilidade, flexibilização das regras trabalhistas e ponderação para análise de cada caso.

A precariedade no mercado de trabalho e o fantasma do desemprego já era uma realidade no Brasil nos últimos anos, pois, segundo a PNADC (IBGE), em 2019, terminamos com 16,2 milhões de desempregados, 38,4 milhões de trabalhadores informais, cenário desde 2016. Situação que sem dúvida é um desafio adicional no enfrentamento da crise econômica em decorrência das paralisações de várias atividades produtivas como forma de evitar a disseminação do vírus e consequente perdas de vidas.

As medidas governamentais não chegaram até os empregados informais, e segundo o IBGE, no trimestre encerrado, ocorreu “pela primeira vez na série histórica da pesquisa, o nível da ocupação ficou abaixo de 50%. Isso significa que menos da metade da população em idade de trabalhar está trabalhando”, e no mesmo período, 7,8 milhões de pessoas saíram da população ocupada, uma queda de 8,3%. E dessa queda de 7,8 milhões de pessoas ocupadas, 5,8 milhões eram informais”.

Dessa forma, é indispensável, uma política preventiva na condução da crise e na gestão de pessoal com análise acurada das medidas em vigor que foram editadas com função de diminuir os efeitos econômicos negativos da pandemia, sendo que sem a adoção das medidas, além dos trabalhadores perderem empregos, inúmeras empresas poderão ser fechadas.

Finalizamos, com a citação do Ministro Marco Aurélio ao analisar o pedido de liminar na ADI 6377 em que impugna diversos artigos da MP 927/2020:

O momento é de temperança, de compreensão maior, de observância do arcabouço normativo constitucional. Com a referida Medida Provisória, buscou-se, acima de tudo, preservar bem maior do trabalhador, ou seja, a fonte do próprio sustento. Essa deve ser a óptica primeira, quer dos partidos políticos, quer das entidades de classe.

Cumpre atentar para a organicidade do Direito e aguardar o crivo do Congresso Nacional quanto ao teor do diploma, não cabendo atuar com açodamento, sob pena de aprofundar-se, ainda mais, a crise aguda que maltrata o País, em termos de produção, em termos de abastecimento, em termos de empregos, em termos, alfim, de vida gregária, presente a paz social. Há de somar-se esforços objetivando não apenas mitigar os efeitos nefastos do estado de calamidade pública mas também preservar a segurança jurídica, sem exacerbações, sem acirramentos.

Em suma, o momento de usar o bom senso.

Referências

BRASIL. Congresso Nacional. Medida Provisória n° 936, de 2020. Programa Emergencial de Manutenção
do Emprego e da Renda.
BRASIL. IBGE. Pela primeira vez, menos da metade das pessoas em idade de trabalhar está ocupada.
BRASIL. PRESIDÊNCIA. Medida provisória n. 936, de 1º de abril de 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 6.377 Distrito
Federal. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343577274&ext=.pdf.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 2. ed. Editora Impetus, p. 201.
CASSAR. Vólia Bomfim. Breves Comentários à MP 927/20 e aos Impactos do Covid-19 nas relações de
emprego. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/03/25/mp-927-impactos-do-covid-19/.

Uéliton Felipe Azevedo de Oliveira

Advogado sindical. Sócio de Rodrigues Advogados Associados. Atua junto a entidades sindicais desde 2012. Especialista em Processo Administrativo Disciplinar (Lei n. 8112/90). Conselheiro seccional da OAB-RO. Presidente da Comissão de Sociedade de Advogados da OAB-RO.

Fátima Marissue Martins Rodrigues

Advogada. Coordenadora jurídica do Sinsjustra Rondônia-Acre. Sócia de Rodrigues Advogados Associados. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.