A (in)constitucionalidade da prisão imediata (execução antecipada ou provisória da pena) em condenação pelo Tribunal do Júri, trazida pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime) que alterou o Código de Processo Penal

A gênese do instituto do Tribunal do Júri consiste, basicamente, em ampliar ao máximo as garantias ao denunciado a fim de que sua defesa seja efetiva, haja vista os relevantes bens jurídicos por ele tutelados. Nesse sentido, legitimou-se como uma garantia outorgada ao réu; de forma soberana, conforme a Carta Magna em seu Art. 5º, XXXVIII, “c”, a decisão do mérito emana de seus pares – ou seja, do Conselho de Sentença, formado de igual forma por cidadãos “comuns” –, e não da frieza de um juiz técnico/togado.

Afinal, o que possui limites é a persecução penal, o poder punitivo do Estado (latu senso), que se materializa no rito especialíssimo do Tribunal do Júri, no dispositivo do Código de Processo Penal, a seguir:

Art. 476. Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante.

A contrario sensu, a defesa deve ser exercida com plenitude e pode se valer de todos os meios, inclusive estranhos ao Direito, desde que lícitos e éticos, sob pena de, não sendo efetiva, o(a) acusado(a) ser declarado(a) indefeso(a) e a defesa técnica, destituída, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII – e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa; (…)

Não se trata de meros vocábulos, ou de efeitos de retórica, e sim de conceitos semânticos da maior relevância, pois a expressão “amplo” indica algo vasto, extenso, enquanto a expressão “pleno” significa algo completo, perfeito. A ampla defesa reclama uma abundante atuação do defensor, ainda que não seja completa e perfeita. Contudo, a plenitude de defesa exige uma integral atuação defensiva, valendo-se o defensor de todos os instrumentos previstos em lei, evitando-se qualquer forma de cerceamento. Em última análise, conforme Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 31), “aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos”.

Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

Analisamos especificamente a norma contida no Art. 492, I, “e”, trazida no novel diploma legal denominado “Pacote Anticrime”, no qual se prevê que os condenados a uma pena a partir de quinze anos terão o imediato início de sua execução; salvo as exceções em que o recurso NÃO for meramente protelatório e substancial indicativo de que a pena poderá ser revista.

Remontando-nos aos dias atuais, o questionamento que não quer calar é, justamente: é possível a prisão imediata em primeiro grau, se nem as condenações de segundo grau se admitem, haja vista o princípio constitucional da presunção do estado de inocência – contida no Art. 5º, LVII, da Carta Magna –, que permite apenas a prisão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória? Como não poderia ser diferente, inclusive, este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nesse sentido, o novo dispositivo não deverá ser recepcionado, pois, como exposto, encontra-se em total dissonância com os diplomas legais vigentes, afrontando o arcabouço jurídico constitucional-penal – e, em atenção aos anseios da sociedade e da comunidade jurídica, deve-se declarar a sua inconstitucionalidade.

Sobre o autor

Gustavo Adolfo Añez Menacho

Advogado criminalista, com ênfase na atuação no Plenário do Júri, Direito Penal Militar e crimes nas relações de consumo. Especialista em Docência e Didática do Ensino Superior (ULBRA), Ciências Penais (LFG), Direito Penal e Processo Penal (FCR) e pós-graduando em Perícia Criminal e Ciências Forenses (IPOG). E-mail: asadvocacia.pvh @ gmail.com.